A ferro e fogo

Com denúncia de ameaças do governo Doria, conselho adere a programa lançado por Temer

Após muita pressão, Conselho Municipal de Assistência Social aprovou adesão ao programa 'Criança Feliz'. Trabalhadores e entidades denunciam desmonte do Sistema Único da Assistência Social

Fernanda Carvalho/FotosPublicas

Enquanto a votação acontecia na Câmara, profissionais da assistência social protestavam do lado de fora

São Paulo – Em audiência pública tensa, realizada na Câmara de São Paulo, o Conselho Municipal de Assistência Social (Comas) aprovou nesta segunda-feira (14) a adesão do município ao programa Criança Feliz, lançado em outubro de 2016 pelo governo Temer. Embora o Comas já tivesse se manifestado contra a adesão em fevereiro deste ano, a gestão do prefeito João Doria (PSDB) pressionou para que o colegiado analisasse novamente o tema. O prazo final para adesão se encerra na próxima sexta-feira (18).

A disputa ocorre em meio a uma crise na assistência social de São Paulo, causada por cortes de orçamento e mudanças de diretrizes que têm revoltado trabalhadores e entidades conveniadas com a prefeitura.

“O que houve foi uma tentativa do governo impor o Criança Feliz. O governo pressionou para que isso entrasse na pauta novamente e, com ameaça forte nesse final de semana a algumas entidades conveniadas, hoje vimos a sociedade civil totalmente acuada, tendo que dar o aceite ao programa”, explicou Fernanda Campana, presidenta do Conselho Municipal de Assistência Social, composto por nove membros da sociedade civil e nove representantes do governo municipal.

“Tivemos informações de dois conselheiros que são de entidades conveniadas que estão tendo seus convênios renovados a cada 30 dias, e que não sabemos se vão ser analisados ou atualizados. Eles sofreram represálias pra chegar hoje e dar voto contrário ao programa”, afirmou Fernanda.

Tendo a primeira-dama Marcela Temer como madrinha, o programa Criança Feliz se propõe a ser “uma importante ferramenta para que famílias com crianças entre zero e seis anos ofereçam a seus pequenos ferramentas para promover seu desenvolvimento integral”. Segundo o governo federal, as famílias participantes do Bolsa Família receberão visitaras domiciliares de equipes do Criança Feliz para acompanhar, orientar e “fortalecer os vínculos familiares e comunitários e estimular o desenvolvimento infantil”.

O problema, segundo entidades e trabalhadores da assistência social, é que o programa não se articula com o Serviço Único de Assistência Social (Suas). Ao confirmar a adesão, a prefeitura receberá cerca de R$ 300 mil por mês do governo federal.

“O Criança Feliz é um programa totalmente sem metodologia, que não prevê contratação de novos funcionários e vem pra precarizar o atendimento já existente nos Cras e nos Creas. A gente já sabe que faltam funcionários nesses equipamentos e ele (Criança Feliz) não contribui em nada para a política de assistência, pelo contrário, só precariza ainda mais o atendimento na cidade”, criticou a presidenta do Comas.

Fernanda Campana explicou que o governo Doria quer incluir o Criança Feliz dentro do Serviço de Atendimento Social à Família (Sasf). Para ela, isso é um erro em função de o Sasf já ser um serviço “precarizado”. “Não há profissionais para fazer isso, esse programa não tem metodologia própria. Preconizado pelo governo federal, ele deveria ter uma ação intersetorial com educação, saúde, direitos humanos, políticas para criança e adolescente, e do jeito que foi posto aqui, não é o que vai acontecer.”

A presidenta do Comas é taxativa ao afirmar que o secretário de Assistência e Desenvolvimento Social, Filipe Sabará, não respeita o conselho e nem dialoga com seus integrantes. “Hoje, as instâncias de controle e participação social em São Paulo não são ouvidas, não são levadas a sério, temos falas do secretário Sabará dizendo que não precisa do conselho.”

Segundo ela, com exceção de Rosane da Silva Berthaud, representante da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), os conselheiros integrantes do governo não conhecem o Criança Feliz. “Se você chegar nos representantes das secretarias de Educação ou Saúde, que são conselheiros e deveriam saber o que é o programa, já que ele é intersecretarial, dificilmente vão saber. Eles chegaram aqui com o simples objetivo de votar ‘sim’. Se a gente perguntasse: ‘Sim, mas por que?’, nenhum deles sabe.”

Durante toda a realização da audiência pública, diversos profissionais da assistência social comentaram a respeito da reunião realizada na última sexta-feira (11) entre o secretário Filipe Sabará e representantes de algumas entidades que mantém convênio com a prefeitura. Segundo eles, foi após essa reunião que as pressões e ameaças se intensificaram.