Entrevista

Dom Paulo, a Jimmy Carter: ‘É verdade que a CIA nos ensinou a torturar?’

“Conversei com o Médici uma vez e fui muito mal recebido. Ele me disse: ‘O sr. cuide da sacristia e eu cuido do país’, com uma brutalidade tal que eu temi pelo Brasil inteiro, e não só por mim mesmo”

Memorial da Democracia

Geisel recebeu Carter em 1978. Dom Paulo esteve com o presidente norte-americano e o cobrou contra violência da ditadura no Brasil

São Paulo – “Uma vez, estando em um carro, sozinho com o presidente dos Estados Unidos e sua esposa, no Rio de Janeiro, quando ele nos visitou, eu perguntei: ‘Muita gente diz que a CIA nos ensinou a torturar, sobretudo a tortura psicológica. O sr. acha que isso pode ser verdade?’. Ele se voltou para a esposa e perguntou: ‘O que que eu vou responder?’ Eu, que entendo inglês, disse: ‘É bom dizer toda a verdade’. E ele então disse: ‘Pode ser que isso seja verdade’. Então eu disse: ‘Se pode ser que isso seja verdade, então, para mim, é verdade. E sr. Deve ajudar-nos a vencer esse período de violação de direitos humanos da forma mais cruel’. Ele disse: ‘Para isso eu vim ao Brasil’”.

Esta narração é trecho de uma entrevista concedida por dom Paulo à repórter Marilu Cabañas, por ocasião da comemoração Nos 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (dezembro de 1998). Ele se refere ao presidente norte-americano Jimmy Carter (1977-1981), que visitou o Brasil em 1978.

Como descreve Marilu, dom Paulo, o “papa dos direitos humanos” personifica a resistência contra a ditadura militar e a luta contra as desigualdades sociais no Brasil. Sua palavra tocou torturados e poderosos, ricos e pobres. Indicado pelo Prêmio Nobel da paz em 1989, o catarinense de Forquilhinha, Criciúma (SC), utilizou em favor dos injustiçados e oprimidos todo seu conhecimento, que não é pouco. Formado em Teologia e Filosofia, do Paulo fez especialização e pós-graduação em Pedagogia, Sociologia, Letras e Cultura Antiga, Estudou na Sorbone, na França, e fez estágios na Alemanha, Bélgica Inglaterra, Holanda, Estado Unidos e Canadá.

É doutor honoris causa em 12 universidades. Escrevei 48 livros e foi tema de cinco. Ganhou o Prêmio Juca Pato de intelectual do ano em 1990, com o livro Clamor do Povo pela Paz.

A conquista da democracia e a organização popular no Brasil são frutos de toda uma vida pela valorização do homem. Mas a sociedade ideal está longe de existir no país. Mas em sua sabedoria, dom Paulo recomenda, como sempre, a luta.

“Depois ao Ato institucional número 5 (AI-5, de 13 de dezembro de 1968), entrou o (presidente) Médici, em 1969, que ficou até 1964. Esse foi o período mais terrível da ditadura. Insuportável, em todos os sentidos”, lembra dom Paulo. “Eu até pensava, muitas vezes: tudo aquilo (técnicas de prisão e tortura) que Hitler inventou na Alemanha, ensinaram aos brasileiros; e os brasileiros ainda aprenderam outras coisas através da CIA americana, e quem sabe outras escolas ainda.”

“Eu conversei com o Médici uma vez e fui muito mal recebido. Ele me disse ‘o senhor cuide da sacristia que eu cuido do país’. Ele me disse isso com uma brutalidade tal que eu até temi pelo Brasil inteiro, e não só por mim mesmo.”

Vale a pena ouvir a entrevista completa de dom Paulo a Marilu Cabanãs, reprisada em outubro na Rádio Brasil Atual.