violência policial

Crimes de Maio ‘deram certo’, por isso seguem ocorrendo, diz mãe de vítima

Mães de Maio aguardam há anos por respostas de pedidos de reabertura das investigações, federalização das apurações e análise do Conselho Nacional do Ministério Público

Arquivo pessoal

Para Débora, somente quem paga pelos crimes de maio são as famílias que choram seus filhos em pleno dia das mães

São Paulo – Completam dez anos nesta semana os chamados Crimes de Maio, quando, oficialmente, 505 pessoas foram assassinadas entre os dias 12 e 20 daquele mês, em 2006, durante ação para o restabelecimento da ordem realizada pelas polícias Militar e Civil paulistas, após os atentados cometidos pelo Primeiro Comando da Capital (PCC). Desde então, familiares de vítimas organizados no movimento Mães de Maio reivindicam a investigação de cerca de 600 mortes e outros tantos desaparecimentos, a punição dos executores e a desmilitarização das polícias. Se isso não for esclarecido, vamos ter ‘crimes de maio’ ano após ano, afirma Débora Maria Silva, coordenadora do movimento.

“Eu acho que qualquer profissional que investigasse de verdade os Crimes de Maio chegaria a resultados. Mas nada é investigado. Não teve perícia. Anos depois fizeram a exumação do corpo do meu filho e encontraram uma bala na coluna dele”, relata Débora. O filho dela, o gari Edson Rogério da Silva, foi morto em 16 de maio de 2006, a alguns metros de casa. O caso foi arquivado a pedido do Ministério Público (MP). “Em uma semana mataram mais do que em um ano inteiro. Mas os casos foram todos arquivados sem nenhuma explicação. Com uma canetada, o MP e a Justiça matam dez vezes”, completou.

Neste tempo, as Mães de Maio realizaram várias ações pra reabrir os casos, sem sucesso. Feito em 2010, o pedido de federalização dos crimes está engavetado na Procuradoria-Geral da República. O procedimento é utilizado quando um órgão estadual se mostra incompetente para dar seguimento a um processo. E colocaria a Polícia Federal para realizar as investigações. “Houve omissão do governo federal. Foi oferecida a Guarda Nacional (para intervir na sucessão de atentados do PCC) em 2006, mas o governo de São Paulo recusou. Depois ocorreram centenas de mortes e o governo federal não viu?”, questionou Débora.

Em 2014, a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República criou uma comissão especial para analisar os crimes de maio. E cobrou esclarecimentos da Secretaria da Segurança Pública (SSP) Paulista.

“Não esclarecido”

No relatório de 600 páginas, com documentos de todas as seccionais da Polícia Civil, o governo de Geraldo Alckmin (PSDB) reafirmou que não acreditava que tenham ocorrido abusos, criticou a atuação do órgão federal e defendeu que não havia motivo para reabrir uma investigação arquivada pela Justiça. Além disso, supostos autores de ataques a policiais foram encontrados. Mas, entre as vítimas civis, a resposta recorrente foi de “crime não foi esclarecido”.

Em abril do ano passado, o Conselho Nacional do Ministério Público realizou audiência na sede do Ministério Público Estadual paulista para ouvir os relatos das Mães de Maio. O presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do conselho, Jarbas Soares Júnior, e o então procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa, estavam presentes e receberam o pedido delas para reabrir os casos.

A previsão era de que até agosto de 2015 o conselho apresentaria um relatório recomendando, ou não, a reabertura das investigações. Até hoje não há previsão de quando o relatório será divulgado.

Sem perspectiva dentro do Brasil, as Mães de Maio passaram a procurar ajuda fora do país. Com apoio do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria, os familiares de vítimas denunciaram o Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Na denúncia, destacam que grupos de extermínio formados por policiais militares assassinaram centenas de pessoas no Estado, na maioria pardos e negros, e nenhum dos casos foi investigado. A ação, no entanto, pode levar até dez anos para produzir resultados.

“O que aconteceu em 2006 foi crime de lesa-humanidade. Não poderia nunca ser arquivado. Se tivesse havido punição, não teríamos mães enterrando filhos vítimas do Estado todos os dias do ano”, disse Débora.

E essa é justamente a avaliação do jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP) Bruno Paes Manso, para quem o modus operandi pouco mudou em 30 anos, mas teve uma evolução a partir de 2006. “Quando foram atacados os policiais se vingaram promovendo uma ação de extermínio. A impunidade, a sensação de vulnerabilidade do policial, o corporativismo e a falta de ação das autoridades deu vazão para esse tipo de ‘solução’. E permite que continue ocorrendo”, afirmou.

Paes Manso lembrou que os antigos “esquadrões da morte” nasceram por vingança, após o assassinato de um agente. E isso agora é a prática recorrente. O pesquisador listou ao menos dez chacinas ocorridas desde 2010 que tiveram como fato gerador a morte de um policial. E ressaltou que já não é só em São Paulo, mas por todo o nordeste e também no Amazonas e no Paraná.

A mais recente foi a chacina ocorrida nas cidades de Osasco e Barueri, região metropolitana de São Paulo, em que 19 pessoas foram executadas em pouco mais de duas horas. As ações ocorreram após os assassinatos de um policial militar e de um guarda-civil. Cinco policiais e um guarda-civil foram detidos durante as investigações. Todos acabaram soltos quatro meses depois e não há previsão de julgamento para o caso.

Para Paes Manso, em vez de intimidar, a violência policial piorou a situação, levando a perda de controle do comando sobre a tropa e aumento da violência também dos grupos criminosos. “Isso é evidente no Rio de Janeiro com as milícias. Deixa o assassinato ocorrer impunemente. Depois de matar, o cara vai prestar segurança para boca de fumo ou para roubo de carga. Quando se vê, já é um soldado do crime.”