'Guerra de Páginas'

Acirramento de tensões coloca Facebook entre o combate ao discurso de ódio e a censura

Perfis progressistas sofrem retaliação e denunciam censura, após mobilização que culminou na derrubada de página que prega machismo e homofobia

Vitor Teixeira

Usuários fazem uso de perfis falsos para propagar discurso de ódio e coagir perfis progressistas

São Paulo – Que as redes sociais viraram arena de disputa de narrativas não é fato novo. O acirramento entre grupos progressistas e conservadores nas redes sociais tomou ares de guerra no último final de semana quando, no domingo (1º), o Facebook determinou a suspensão, por 30 dias, da fanpage Orgulho Hetero, seguida por mais de 2 milhões de usuários e conhecida por disseminar conteúdo machista e homofóbico. Os seguidores da página estariam ainda exaltados, depois que pautas feministas foram abordadas em questão do Enem, trazendo citação da filósofa francesa Simone de Beauvoir e, na sequência, na redação do mesmo exame, cujo tema foi a persistência da violência contra a mulher.

Por apontarem militantes feministas como sendo a origem das denúncias que culminou com a derrubada do perfil machista, seus seguidores promoveram retaliações nas horas seguintes, em movimento orquestrado, denunciando páginas que se destacam na mobilização e combate dos discursos de ódio contra as mulheres e a população LGBT. De imediato, foram tirados do ar pelo Facebook os perfis Feminismo sem Demagogia, Jovens de Esquerda, Cartazes e Tirinhas LGBT e Moça, Você é Machista.

A batalha ganhou maior repercussão quando também foi derrubada a página Jout Jout Prazer, da youtubber Julia Tolezano, que tomou parte da polêmica após a produção do vídeo “Vamos Fazer um Escândalo” – na prática, uma convocação para que mulheres de todas as idades denunciem as muitas formas de violência praticadas por homens. Só ontem (4), após receber algumas dezenas de milhares de manifestações, o Facebook pediu desculpas e reativou o perfil de Júlia – as demais páginas continuam fora do ar.

Mais uma vez, a conflagração da disputa escancara a dificuldade do Facebook e demais redes sociais em estabelecer critérios transparentes para, preservar o direito à liberdade de expressão, mas também remover conteúdos que violam os direitos humanos e pregam ódio e preconceito.

Para Veridiana Alimonti, advogada do Coletivo Intervozes, “o buraco é mais embaixo”. Ela afirma que, apesar de o Facebook ser uma arena importante para o desenrolar do debate público, trata-se de um ambiente privado, que segue a lógica corporativa, em que o principal objetivo é o lucro. “Parece uma praça pública, mas na verdade não é. É uma praça murada, com regras que são colocadas por eles próprios”, afirmou Veridiana à RBA.

Ela lembra que são recorrentes os casos em que fotos de mulheres sem blusa, em protestos, ou até mesmo amamentando, foram censuradas pela rede social e que, para além da falta critérios, a tomada de decisões também é imprecisa. Julgadores espalhados pelo mundo, que têm a incumbência de avaliar se as postagens ferem ou não os termos de uso, muitas vezes podem não estar devidamente inseridas no contexto que lhes daria a devida compreensão que antecede a decisão, aponta a advogada.

Djamila Ribeiro, mestre em Filosofia, feminista, negra e colunista da revista Carta Capital, também denuncia arbitrariedades na avaliação de conteúdos. “A gente demora meses para derrubar páginas extremamente racistas, e militantes que estão atuando politicamente contra esse tipo de discurso e agressão são derrubados muito mais facilmente”, conta.

Ela relata o caso de outra colega, igualmente ativista do movimento negro, mas que teve seu perfil suspenso pelo Facebook após ter sido absurdamente denunciada por racismo, também em movimento organizado, promovido pela página Aventuras na Justiça Social – a página é conhecida por ridicularizar conquistas de direitos alcançados por minorias e difundir discursos de ódio. Um contrassenso também comum nas redes sociais, um exemplo típico de inversão de valores.

Veridiana diz que o Facebook se beneficia das discussões, que estimula o uso da rede social, mas que não interessa o acirramento, pois entraria em choque com a política da empresa em promover um ambiente mais “agradável” para os usuários. “Se uma plataforma passa a ser algo que o usuário entra e fica irritado, levado a ver coisas que ele não gosta, a pessoa pode deixar de utilizar a plataforma.”

Veridiana lembra também que o acirramento de posições não ocorre apenas no ambiente virtual. “Esses conflitos vão estourar, seja online, seja offline”, afirma, mas ressalta que é mais importante fazer com que as diferenças apareçam, do que permanecerem veladas.

Já Djamila aponta que o conservadorismo e a incitação ao ódio não são práticas novas, mas que, nas redes sociais, as pessoas se aproveitam ainda da condição de anonimato, com a utilização de perfis falsos. “Da mesma forma que para nós, militantes, as redes sociais são importantes, porque faz com que a gente consiga atingir mais pessoas, também fez essas pessoas terem seus discursos amplificados.”

Para ela, frente à leniência e à dificuldade do Facebook em coibir discursos que pregam a violência, valem também ações no mundo real, através da via judicial. Veridiana afirma que esses casos afetam a credibilidade da plataforma que, por conta disso, deverá tentar corrigir falhas para que a repercussão negativa não atinja os seus negócios. “Por vezes, eles podem estar do nosso lado, por vezes, não.”