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Marcha das Margaridas reúne mulheres ‘pelos filhos, pela terra, pela vida’

Esplanada dos Ministérios é ocupada por milhares de Margaridas de todo o Brasil que levam energia e dignidade e querem voltar para suas terras com direitos respeitados e sensação de missão cumprida

Sergio Amaral/RBA

Brasília – Dezenas de milhares de mulheres de Norte a Sul do país coloriram de lilás a Esplanada dos Ministérios, em Brasilia, hoje (12). Chegaram a viajar por até três dias de ônibus de vários pontos do país, trazendo energia, esperanças, filhos e maridos para protestar e defender direitos das trabalhadoras rurais. Com seus chapéus de palha enfeitados com flores, algumas em cadeira de rodas, percorreram cerca de cinco quilômetros entre o Estádio Nacional Mané Garrincha e a Praça dos Três Poderes, onde realizaram ato político no Senado, com a presença de parlamentares.

Dona Francisca Leitão de Souza, 68 anos, passou meses separando da aposentadoria o dinheiro da viagem. Gastou 24 horas de ônibus desde sua cidade, no interior de Tocantins. E chegou feliz. “O gosto de estar aqui é enorme. A gente se junta e luta pra melhorar a vida no campo”, explica sobre sua missão, que já dura três dias. Dona Francisca sempre morou no campo. Teve 12 filhos, perdeu quatro e há dois meses ficou viúva, depois de cuidar oito anos do marido, vitimado por um AVC. Mas nem o frio, a dor na coluna e o cansaço tiraram o sorriso do rosto dessa mulher, que quer ver a presidenta Dilma Rousseff de perto. “Lula e Dilma são tudo pra mim”, afirma.

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Lidia sempre acompanha a marcha, com as filhas Mila (cadeirante) e Yasmin: "Somos todas Margaridas"
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Francisca, Mariana, Eunice. Militantes das lutas dos direitos civis de toda a sociedade

Para as cearenses Maria Isaías e Maria Assunção Santos, a batalha para chegar a Brasília ainda não terminou. Com poucos recursos, trouxeram roupas de crochê, renda de bilro, pipoca e cocada para vender e terminar de pagar a viagem. “Nunca perdi uma Marcha das Margaridas. Adoro estar aqui, participar dessa alegria de encontrar as pessoas, lutar para conquistar nossos direitos”, conta Maria Isaías, com um sorriso de satisfação.

Sob ameaça de perder a terra, onde cultiva mandioca e banana, a delegação da Aldeia Tatuí Juara, no Mato Grosso, gastou dois dias na estrada para participar da marcha. Solange Zenaide do Carmo conta que luta contra os fazendeiros que querem retirar índios da aldeia, onde ela cria os filhos. “Estou aqui por causa dos meus filhos. Quero defender a vida deles, a terra, casa deles. Se a gente não defender, o que vai ser deles?”, questiona. Ao lado, a filha Camila reclama da violência na região. “Queria trocar meu nome. Porque estão matando muitas meninas chamadas Camila. Não quero ser a próxima.”

A Marcha das Margaridas conta com grande adesão de jovens que levam na bagagem pautas específicas. Com perucas coloridas, feitas com copos plásticos descartáveis, a delegação de Mossoró, no Rio Grande do Norte, viajou em sete ônibus, um deles lotado de mulheres batuqueiras e seus instrumentos de material reciclado. As amigas Beatriz Freire e Mariana Pereira, de 17 anos, integrantes do movimento feminista local, chegaram prontas para tratar de temas muito femininos, que incluem o direito ao corpo, a igualdade salarial e a creches para as trabalhadoras rurais. “Queremos discutir também os temas ligados às necessidades da população de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transxuais. Afinal, isso também nos toca diretamente”, diz Beatriz.

Sérgio Amaral e Eunice Pinheiro/RBAquebradeiras
Juscelino e as quebradeiras: direito de trabalhar com as plantas nativas. Maria: nunca perdi uma
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Aparecida e Claudia: violência de gênero no campo exige abertura de delegacias para as mulheres
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Daniele e Giuceli plantam arroz, milho e feijão em Sana Catarina. Carlita, de Sergipe, reclama da violência

Do Piauí, os representantes do Movimento de Quebradeiras de Côco Babaçu falam da violência a que são submetidas ao trabalhar. Denuncia que grandes fazendeiros impedem a entrada delas nas fazendas. “Os pés de babaçu, na maioria, ficam dentro das fazendas particulares. São plantas nativas, então a gente tem direito de trabalhar com elas. Só que os fazendeiros não deixam as mulheres entrar. Usam cachorros, capangas. Mas as quebradeiras de côco pulam a cerca e pegam”, conta Juscelino Silva, líder do Movimento de Quebradeiras de Côco do Piauí.

De acordo com Juscelino, a maior preocupação do movimento é com a preservação dos dos babaçuais. Ele conta que os fazendeiros destroem as plantas para limpar as áreas e cultivar lavouras ou fazer pasto. Como uma palmeira leva até 18 anos para ficar madura e dar frutos, os trabalhadores rurais do Piauí, Maranhão, Tocantins e Pará temem perder a fonte de sustento. Hoje, grande parte da produção de óleo, poupa, mesocarpo e coco tem venda garantida para o governo federal, que usa os produtos para a merenda escolar.

Dona Aparecida Mendes Moreira, de Goiás, e Carlita Pereira, de Sergipe, também reclamam das pressões que sofrem no campo. Acostumadas a acompanhar as notícias sobre os desrespeito aos direitos das mulheres no campo, elas reclamam a criação de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher. “A violência nunca me atingiu. Mas acompanho as notícias de que tem muitas mulheres morrendo. Às vezes por vingança, ciúmes. A Lei Maria da Penha parece que não funciona”, comentou Aparecida Mendes.

A diferença entre o que a cidade e o campo oferecem também foi tema de discussão entre as Margaridas. principalmente, entre as mais jovens. “É preciso diminuir as diferenças entre o campo e a cidade. Para isso, precisamos de maior acesso a educação, saúde e segurança também. Assim, a gente pode permanecer melhor no campo”, reclama Daniele Souza. Sócia da amiga Giuceli Espíndola, ela planta arroz, milho e feijão, no interior de Santa Catarina. A venda dos produtos é garantida, por meio de programas ligados à agricultura familiar e a compras públicas destinadas a merenda escolar. “A gente ama viver e trabalhar no campo. E queremos continuar vivendo e trabalhando lá”, afirmou Daniele.

Em Brasília, mesmo com um número reduzido de agricultores distribuídos por todo o Distrito Federal, a Marcha das Margaridas foi engrossada por participantes de outros movimentos sociais. Pela quarta vez, Lídia Garcia, de 77 anos de idade, marchou ao lado da filha e da neta. “Sou uma Margarida velha. Estou junto com as mulheres que lutam por cidadania”, declarou a militante do Movimento Negro. Mesmo com a filha se recuperando de um AVC e tendo de se locomover em cadeira de rodas, a matriarca reuniu as três gerações na Marcha. “Sempre procuro trazer minhas filhas e netos. Foi a forma que encontrei para perpetuar nossa cultura política. Somos mulheres, somos mães, somos todas Margaridas. Temos de lutar por nossos direitos”, afirmou Lidia Garcia.