Juventude

Relatora de direitos dos jovens da OEA diz que retrocesso no Brasil afetará todo o continente

Em audiência no parlamento de SP, tucano Carlos Bezerra Jr., presidente da Comissão de Direitos Humanos, contrário à redução da maioridade, defende amplo debate como o feito pelo Uruguai em 2014

Maurício Garcia de Souza/Alesp

Rosa María Ortiz (esquerda), o deputado Carlos Bezerra e a vereadora Patrícia Bezerra, na audiência pública

São Paulo – A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo encerrou os trabalhos do primeiro semestre, antes do recesso de julho, com uma audiência pública sobre a redução da maioridade penal. Relatora dos Direitos da Criança e do Adolescente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), a paraguaia Rosa María Ortiz disse que “é fundamental” o que acontece no Brasil, em relação ao tema direitos humanos, pela potencial influência que pode ter no continente. Ela afirmou estar no país para “apoiar a não redução da maioridade penal”. “O Brasil é um emblema para toda a América Latina. Se vocês retrocederem, afetará toda a região.”

Sobre a PEC 171, que diminui a maioridade penal, aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados, após manobra do presidente da casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Ortiz aponta a contradição de o Brasil, segundo ela, ter sido o país que mais contribuiu para a criação da Convenção sobre os Direitos da Criança da América Latina e do Caribe e hoje estar ameaçado de sofrer um retrocesso.

A relatora citou “o querido Paulo Freire” para dizer que os jovens precisam de educação e cultura e que “é preciso conhecer para transformar”. “O que é melhor para as crianças é melhor para a sociedade. O ECA é um processo em construção. Nem se terminou ainda de construir esse sistema de proteção e já se quer mudar. Hoje a convenção sobre os direitos da criança é a mais respeitada no mundo. Em direitos humanos se pode avançar, nunca retroceder. Reduzir a maioridade é inconcebível. Ninguém está advogando por impunidade, nem a lei, o Estatuto dos Direitos da Criança e do Adolescente”, disse.

O deputado estadual Carlos Bezerra Jr. (PSDB), presidente da comissão, contrário à redução, criticou a falta de diálogo no processo que redundou na decisão tomada pela Câmara dos Deputados na madrugada de quinta-feira (2). “Infelizmente, no Brasil, o Congresso não tem feito o debate ou tem feito a toque de caixa. Eles preferiram ouvir o cantor Amado Batista, que respeito, mas desconheço a contribuição dele na questão da maioridade.”

Ele disse que a justificativa da PEC da maioridade na Câmara Federal é baseada na “colagem de trechos bíblicos do Velho Testamento, completamente fora do contexto” e que a mudança da Constituição é defendida de maneira “totalmente irresponsável e demagógica”.

“Cortar direitos de crianças é um duplo atentado: aos direitos humanos e aos direitos da criança”, disse Rosa María Ortiz.

Bezerra defende que a discussão no Brasil se dê maneira semelhante à que aconteceu no Uruguai no ano passado. Após amplo debate público, o país vizinho decidiu, em plebiscito realizado em outubro, dizer “não” à redução da maioridade. O deputado lembra que o resultado foi decorrente do debate nacional e que, no início do processo, a grande maioria dos uruguaios, como os brasileiros, era amplamente favorável a criminalizar os jovens a partir de 16 anos. Segundo pesquisas, 70% da população do Uruguai queriam a redução, mas ao final o “não” ganhou com apoio de 53% da população. Pesquisas recentes indicam que mais de 80% dos brasileiros querem a redução hoje.

“Uma grande consulta no país, nos moldes do que foi feito no Uruguai, traria novos esclarecimentos à população e ela tomaria uma decisão baseada em dados e informações. Quando se iniciou o processo no Uruguai, a população tinha exatamente o mesmo comportamento que se tem hoje no Brasil, majoritariamente contra..E ao final do debate o resultado foi que a redução não foi aprovada.”

Para Bezerra, um amplo debate poderia mudar o entendimento dos que veem na redução “uma medida que terá impacto na segurança pública”. “Grande parcela da sociedade não sabe o impacto e as consequências que a redução pode trazer.” Ele menciona o acesso de jovens e adolescentes a bebidas alcoólicas e a possibilidade de dirigir, ou, pior, o fato de que uma garota de 16 anos poderia se tornar legalmente vulnerável à exploração sexual. “Há uma série de coisas que precisam ser ponderadas como consequências dramáticas da redução da maioridade.”

Segundo o parlamentar, a discussão “precisa ser feita sem paixões, com dados, estudos científicos e experiências internacionais”. “Reduzir a idade penal é hoje ir na contramão do mundo civilizado. Cinco países reduziram a maioridade penal e neste momento estão voltando atrás: Alemanha, Espanha, Estados Unidos e nossos vizinhos Colômbia e Venezuela. Voltam atrás porque a experiência mostra que não funciona”.

Na opinião de Bezerra, os principais impactos da medida adotada pela primeira votação na Câmara Federal seriam o aumento do custo do sistema prisional e principalmente a inserção do jovem infrator num ambiente de “criminosos profissionais, na escola do crime”.

Outra tucana, a vereadora paulistana Patrícia Bezerra, presente à audiência na Assembleia Legislativa, se pronunciou com veemência no mesmo sentido. Segundo ela, a mídia tem colaborado para instaurar no país um clima de comoção. “São 0,9% dos crimes os cometidos por menores, mas está-se trabalhando maciçamente para passar a sensação de que 200% dos crimes são praticados por jovens. Há uma sensação de clamor e vingança. Estamos trabalhando numa dinâmica que não é lógica, mas baseada no emocional. Os sentimentos são manipulados por imprensa e afins”, disse a vereadora, que é psicóloga.

A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia encaminhará pedido à OEA para que a entidade se manifeste e faça pressão contra mudanças nos direitos dos jovens no Brasil, que é signatário de vários tratados de proteção aos direitos de crianças e adolescentes. O colegiado vai também organizar uma audiência pública para ouvir os jovens.

‘Socialdemocrata’

Carlos Bezerra procurou ser diplomático ao ser questionado sobre a postura de seu partido na votação na Câmara Federal. O PSDB votou de maneira maciça a favor da redução. “É como em qualquer partido. O partido é feito de partes, ideias e pensamentos. Eu me alinho com um grupo que é o mesmo da escola do Franco Montoro, do Mario Covas, do próprio Fernando Henrique Cardoso, grupo alinhado com a concepção da garantia dos direitos humanos. Eu sou um socialdemocrata.”