Moradia

Famílias acampam em frente à prefeitura de SP contra despejo na zona norte

Pelo menos 7 mil famílias podem ser colocadas na rua até o final do ano, se consideradas todas as reintegrações de posse com decisão favorável, no momento, na capital paulista

Marcelo S. Camargo/Frame/Folhapress

Famílias estão acampadas desde a noite de ontem (2), à espera de uma reunião com o prefeito Fernando Haddad

São Paulo – Cerca de 100 pessoas ligadas à Frente de Luta por Moradia (FLM) estão acampadas desde ontem (2) em frente à prefeitura de São Paulo, reivindicando a suspensão da reintegração de posse do terreno em que vivem na Brasilândia, na zona norte, marcada para o dia 24. Elas montaram barracas de lona e estão com fogões, alimentos e cobertores, prometendo não deixar o local enquanto não forem atendidas pelo prefeito Fernando Haddad (PT).

“São 450 famílias no local. Elas não podem simplesmente sair e ficar na rua. São trabalhadores, idosos e crianças que precisam de atendimento social e habitacional”, defendeu Geni Monteiro, coordenadora da FLM. Segundo ela, o local está ocupado há um ano e meio e muitas crianças já frequentam creches e escolas locais, por exemplo. “Precisamos de tempo para organizar a vida, fomos avisado da reintegração muito próximo do dia da execução e estamos correndo contra o tempo desde então”, disse Geni.

A primeira tentativa de reintegração de posse ocorreu em 12 de junho, mas somente uma parte dos moradores foi removida. “Nem mesmo caminhões para transporte dos pertences foram encaminhados para a reintegração. Somente o efetivo da Polícia Militar (PM), que usou de muita truculência para realizar a ação”, Contou Geni. O processo seguiu nos dias seguintes, em meio à resistência dos moradores e tentativas de intervenção no poder Judiciário. Que teve sucesso no dia 17, com a suspensão da medida.

Segundo a coordenadora, o Judiciário concedeu 30 dias de suspensão da reintegração para que as famílias articulassem a saída. “Não nos deram atenção, não se importaram com a situação das famílias. Apenas estenderam o prazo”, salientou. A área pertence à Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab) e está destinada a um empreendimento do programa Minha Casa Minha Vida.

Agora as famílias esperam um retorno melhor da prefeitura, seja com outro local onde possam permanecer ou com auxílio-aluguel e a inscrição em programas habitacionais. Segundo Geni, uma reunião com representantes do poder público deve ser realizada ainda hoje.

7 mil famílias sem-teto

A realidade que levou famílias da Ocupação Brasilândia a acamparem em frente à prefeitura sob o frio e a chuva desta sexta-feira é enfrentada por, pelo menos, 7 mil famílias na capital paulista. Segundo levantamento realizado pela RBA, 52 ocupações com ou sem apoio de movimentos de moradia, no centro e na periferia, estão sob iminência de despejo.

Ontem (2), na região central, 50 famílias que ocupavam um prédio no número 367 da rua José Bonifácio foram despejadas. O local estava ocupado havia pouco mais de três meses pelo Movimento Sem Teto do Centro (MSTC). E já esteve ocupado entre abril e agosto no ano passado. “Este é um exemplo típico de especulação. Ocupamos ano passado e quando saímos o proprietário disse que ia dar uso em 90 dias. Passaram seis meses e nada. Ocupamos de novo e somos despejados de novo”, afirmou Jomarina Abreu da Fonseca, coordenadora do MSTC.

O local tem dívidas de IPTU de R$ 2,4 milhões e está vazio, pelo menos, desde 2012. Há um Decreto de Interesse Social promulgado em 2012, mas não se chegou a acordo sobre desapropriação do imóvel.

Isso, porém, não foi suficiente para a Justiça negar o pedido de reintegração de posse. “A Justiça tem muito claro a quem ela deve ser favorável. Inverte os valores e defende sempre a propriedade contra o direito à moradia. Pode ter dívidas, pode estar abandonado. A especulação é muito poderosa”, afirmou o advogado e militante da Central de Movimentos Populares (CMP) Benedito Barbosa, o Dito.

A Construtora Savoy, proprietária do imóvel, responsabilizou a prefeitura pelo prédio estar vazio, devido “ao insucesso das sucessivas políticas públicas para o centro” e “Decretos de Interesse Social e de Utilidade Pública feitos sem critério”. “Além de tirar o interesse comercial no imóvel ainda causam ônus aos seus proprietários que, além de não conseguirem comercializar o imóvel, ainda se obrigam a manter e zelar pelos imóveis e ainda pagam os impostos”, diz nota enviada pela empresa. A prefeitura não se manifestou.

“O povo ocupa porque não tem alternativa. O preço da terra é absurdo e o aluguel está cada vez mais caro. Além disso, os programas habitacionais não dão conta, sobretudo com o programa Minha Casa Minha Vida parado pelo corte de gastos do governo federal”, avaliou Dito. Para ele, a implementação do IPTU progressivo, que aumenta o valor do tributo de imóveis ociosos e pode levar a desapropriação, em outubro do ano passado, tirou do conforto os proprietários de imóveis que não cumprem função social, mas não reverteu seus privilégios.

O costureiro Jaílson de Souza Guedes, despejado ontem, considerava ter um privilégio também. Resumia-se a ter um teto para ele, a esposa e os dois filhos – Júlia, de dois anos, e Gustavo, de nove – sem pagar aluguel e economizar o dinheiro do transporte. “A gente ganha pouco e o aluguel consumia quase tudo. Vivemos numa corda bamba, por isso decidimos tentar a vida na ocupação. Agora não sei como vai ser”, disse.

Eles vão ser abrigados em outra ocupação, da FLM, no bairro do Ipiranga, a cerca de 10 quilômetros do centro, onde ele trabalha. “Vou ter de acordar mais cedo, mas acredito que não seja tão difícil de vir a pé”, ponderou. A maior preocupação é com os filhos, que já estavam matriculados em creche e escola na região da Consolação. “Parece que o pobre não pode mesmo viver perto do seu trabalho e com uma escola melhor pros filhos”, lamentou.

Risco de despejo

O Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos acompanha 28 ocupações com risco iminente de despejo até o final do ano. Dentre estas estão a da Avenida Prestes Maia, 911, onde vivem 430 famílias, a da Rua das Palmeiras, 58, onde vivem mais 200. A primeira da lista é a ocupação da FLM na Rua Conselheiro Crispiniano, 79, onde vivem cem famílias. Outros 25 locais já tiveram a reintegração de posse efetivada.

No extremo sul da cidade, os moradores da ocupação Plínio de Arruda Sampaio foram convidados para discutir o processo de reintegração com a PM na terça-feira (7). O despejo pode ocorrer no próximo dia 14. A ocupação existe desde 2013 e vivem nela pelo menos 400 famílias. A área pertence à construtora Cyrela e abriga uma ONG em uma parte do terreno. Moradores de outras ocupações da região, como a Jardim da União – 600 famílias – e a Novo Recanto – cem famílias – também podem ser despejados em breve.

O maior número de pessoas está na Ocupação Douglas Rodrigues, no Parque Novo Mundo, zona norte da cidade. São 2.500 famílias naárea de 50 mil metros quadrados, quefica próxima da Marginal Tietê e está abandonada desde a falência de uma empresa, 23 anos. O terreno foi demarcado como Zona Especial de Interesse Social (Zeis), mesmo assim continua sob risco de despejo. “Temos o risco de uma imensa tragédia naquele local se o poder público continuar fingindo não ver o que está ocorrendo”, avaliou Dito.

Correção: O texto citava erroneamente a Construtora Cury, quando o prédio objeto de reintegração de posse pertence à Construtora Savoy. A informação foi corrigida em 7 de julho.