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Envolvimento da Volkswagen com ditadura brasileira será questionado por acionistas

Em reunião anual de prestação de contas, empresa alemã também terá de se explicar sobre venda de caminhões com jatos d'água para PM do Rio

Wikimedia Commons/CC

Os acionistas pedirão explicações sobre a venda de carros e jatos d’água para a repressão de protestos no RJ

São Paulo – A Associação de Acionistas Críticos questionará hoje (13) a relação entre a Volkswagen e a ditadura brasileira (1964-1985), durante a reunião anual de prestação de contas da companhia, em Hannover (Alemanha). Os acionistas também pedirão explicações sobre a suposta venda de carros e jatos d’água para a repressão de protestos no Rio de Janeiro.

“Nós exigimos que a Volkswagen investigue e esclareça imediatamente esses casos, tendo em vista o recente aniversário de 50 anos do Golpe Militar brasileiro. A Volkswagen deve admitir e assumir sua responsabilidade histórica no fato”, argumenta o documento que estádisponível na internet.

No caso do envolvimento com a ditadura militar, a Volkswagen deverá responder sobre as contribuições financeiras dadas aoInstituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e aoGrupo Permanente de Mobilização Industrial (GPMI da Fiesp), diretoria criada na federação das indústrias em abril de 1964. De acordo com a Associação de Acionistas Críticos, esse dinheiro teria sido usado para a construção de umcomplexo militar-industrialno Brasil, sob a orientação da Escola Superior de Guerra (ESG).

Além disso, os representantes da empresa alemã serão obrigados a se posicionar sobre a denúncia de que ao menos três funcionários da sua subsidiária Scania foram demitidos e tiveram informações repassadas à Delegacia de Ordem Política e Social (Dops) depois que a polícia os prendeu por, supostamente, fazerem parte de um “movimento socialista”.

A Associação de Acionistas Críticos é um grupo sem fins lucrativos que possui ações em mais de 25 das maiores empresas da Alemanha e, por isso, tem o direito de se posicionar nas reuniões anuais de apresentação de balanço. A companhia questionada é obrigada a responder algo no mesmo evento.

Em relação à venda de jatos d’água, a associação argumenta que a simples existência desse produto entre os oferecidos pela Volkswagen “é incompatível com princípios éticos da empresa”. O documento lembra ainda que esse tipo de arma já foi usada na Turquia, quando a população ocupou a Praça Taksim contra a construção de um empreendimento imobiliário.

O GPMI da Fiesp

O GPMI foi uma diretoria criada dentro da Fiesp oficialmente em 30 de abril de 1964; caracterizada como “o ponto de partida dos negócios entre a indústria e a ditadura”, segundo o jornalista e ex-militante Antônio Carlos Fon. Seu objetivo oficial seria readaptar o parque industrial brasileiro à produção de equipamentos bélicos. Sua atuação, entretanto, era mais profunda: remonta às células de logística da conspiração que se preparavam para derrubar o presidente João Goulart desde 1961.

A empresa Volkswagen do Brasil aparece nas atas de reunião do GPMI como uma das “firmas que doaram verbalmente” ao grupo.

Evidenciando a relação próxima entre as Forças Armadas e as grandes empresas, a diretoria do GPMI era obrigatoriamente composta por membros civis e militares. Uma desses dirigentes era o general e ex-ministro Edmundo Macedo Soares e Silva, militar brasileiro que teve destacada passagem por diversas megaempresas, entre as quais estava a Volkswagen – além de Mercedes Benz, Mesbla, Banco Mercantil de São Paulo e Light, conforme aponta o historiador e cientista político uruguaio René Armand Dreifuss em seu livro 1964: A conquista do Estado.

Contatada por Opera Mundi na última quinta-feira (8), a assessoria de imprensa da Volkswagen respondeu apenas na tarde de ontem (12). “A Volkswagen está aberta a contribuir com o trabalho da Comissão da Verdade e permanece à disposição para colaborar com as informações que forem necessárias.”