Conversa

Sottili pede fim de hipocrisia e debate sobre descriminalização das drogas

Em entrevista à RBA, secretário de Direitos Humanos de São Paulo pede que Estado siga evolução da sociedade, reitera críticas a ação da Polícia Civil na 'cracolândia' e pede que erro não se repita

Gerardo Lazzari/RBA

Para Sottili, operação Braços Abertos está se tornando referência internacional na política sobre drogas

São Paulo – Gaúcho de Veranópolis, Rogério Sottili deixou a aridez atmosférica de Brasília no final de 2011 para enfrentar a aridez moral de São Paulo. De secretário-executivo da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República para titular da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da gestão Fernando Haddad (PT), recebeu um quadro complicado: a cidade estava encolhida após oito anos de gestões que abandonaram o diálogo social.

Hoje, no começo do segundo ano de mandato, figura como o responsável por uma das áreas de maior destaque nesta primeira metade da gestão. Abriu frentes de conversa com jovens, imigrantes, idosos e a população LGBT, começou a debater as feridas aberturas da ditadura numa das principais capitais da repressão e se juntou a outros secretários para enfrentar a questão da “cracolândia” sob o ponto de vista da ação social, e não da repressão.

Comandar um orçamento pequeno e um tema eternamente visto com desconfiança numa cidade conhecida por ter setores tradicionalmente refratários a mudanças não é tarefa fácil. Ainda mais quando, de dentro de uma pequena secretaria municipal, lida-se com questões que dizem respeito a outras esferas de governo.

Neste sentido, nada mais emblemático que a repressão policial, tema eternamente na pauta de debate sobre os direitos humanos, e em torno do qual Sottili pode enviar pedidos, e não ordens. Pedidos muitas vezes tímidos, na tentativa de não criar arestas entre o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e Haddad, que claramente evita confrontos políticos com o titular do Palácio dos Bandeirantes.

Uma exceção na seara retórica é o programa Braços Abertos, desenvolvido deste o começo deste mês na região da Luz, no centro da capital. A “cracolândia” virou o tema central para a gestão municipal, e nesse sentido a repressão comandada pela Polícia Civil, sob comando de Alckmin, logo após o início do projeto, pegou mal entre os secretários de Haddad.

“O governo (estadual) deu uma resposta na imprensa muito recentemente dizendo que aquela ação foi uma ação legítima. É da competência do governo do estado, cabe a ele assumir a responsabilidade por aquele ato, mas eu não concordo. Acho que foi uma ação irresponsável”, reitera o secretário, que, porém, segue a visão do prefeito e especula que o erro não será repetido.

A operação policial tem certa simbologia sobre a resistência que o projeto desperta. Dar comida, trabalho e aluguel a cerca de 300 dependentes químicos é uma iniciativa de alto risco por lidar com uma população instável e com um tema-tabu para a sociedade. Neste sentido, Sottili considera que é hora de dar o próximo passo. “Nós temos que tratar isso sem hipocrisia, vamos enfrentar o debate, vamos discutir a descriminalização da maconha, o uso da droga. Isso tem que ser feito.”

De seu gabinete, no quinto andar de um prédio na Rua Líbero Badaró, Sottili observa, de um lado, o Vale do Anhangabaú e, de outro, a prefeitura. À moda antiga, a sala tem mais papel que aparatos eletrônicos. Sobre uma estante com livros, uma bandeira da causa LGBT e uma outra representando a comunidade boliviana, que ganhou espaço nos últimos dois anos e recebeu, pela primeira vez, incentivo público para a organização de uma de suas festas mais tradicionais, a de Alasitas, no último dia 24, que agora integra o calendário oficial da cidade.

Em entrevista a João Peres e Vitor Nuzzi, da RBA, e a Michelle Gomes, da TVT, Sottili falou também sobre os desafios da luta contra os preconceitos de criar uma cultura de paz num país nascido e crescido sobre uma cultura de violência – inclusive a violência contra a memória e a verdade, como abordado no bloco anterior desta entrevista.

Aparentemente a política da prefeitura para a “cracolândia” é bastante diferente da do governo estadual. Como diferenciar essas políticas? É possível conciliá-las?

Mais importante do que tentar ficar identificando as diferenças é a gente afirmar cada vez mais a nossa política de enfrentamento ao problema da drogadicção. que é grave. O fundamento da nossa intervenção é o cuidado com a pessoa, o desenvolvimento psicossocial dessa pessoa e tentar dar a ela dignidade. A política de enfrentamento ao crack na cidade de São Paulo, conhecida como Braços Abertos, vê no usuário uma pessoa que precisa de ajuda, de dignidade, de desenvolvimento social, de trabalho, de moradia, de comida.

Não acreditamos que a internação compulsória seja uma boa medida. As pessoas podem buscar os seus cuidados psicossociais, os seus tratamentos, mas tem de ser uma iniciativa do próprio usuário. A resposta que tivemos nesses poucos dias é altamente positiva. É até maior do que imaginávamos, na medida em que os beneficiários estão recebendo extremamente bem essa intervenção, estão querendo trabalhar, sentindo-se empoderados com a possibilidade de receber o salário, ter sua casa. Estão cuidando da casa, limpando os hotéis onde habitam, cuidando dos filhos como nunca antes cuidaram.

A parceria com o governo do estado é imprescindível. É um tema que não podemos levar de forma solitária, temos de tratar de forma pactuada do ponto de vista da federação. Sem o apoio do governo federal não teríamos condições de enfrentar este problema, como também precisamos do apoio da polícia do estado, na medida em que o combate ao tráfico precisa ser efetivamente enfrentado. Essa pactuação foi necessária e promoveu o resultado que estamos colhendo.

Como foi a negociação para pensar nesse programa? A prefeitura está preparada para um eventual desgaste que possa surgir?

Estamos trabalhando em torno desse programa há mais de seis meses, discutindo com o governo. Tínhamos o entendimento de que essa não pode ser uma política de responsabilidade de apenas uma secretaria. O prefeito Fernando Haddad nos deu comando a partir de experiências importantes já vivenciadas por outros municípios. Eu estive pessoalmente com o secretário Arthur Chioro discutindo (hoje ex-secretário de Saúde de São Bernardo do Campo, recém-nomeado ministro da Saúde) a experiência de São Bernardo. Foi muito rica a troca de opiniões, de informações, de sugestões a respeito do enfrentamento do crack. Todas as secretarias estão atuando de forma igualitária com um programa muito bem claro como política de governo, como política do prefeito Haddad.

A outra determinação que fundamentou toda a nossa intervenção é de que nós não poderíamos fazer isso sem a participação da sociedade civil. Todo esse tempo em que o Estado esteve muito ausente do processo de enfrentamento dessa situação, ou quando esteve presente de forma equivocada, quem enfrentou o problema foi a sociedade civil. Estamos executando esse trabalho de forma transversal, com política de governo e com a participação social.

Houve alguma resposta da Polícia Civil em relação àquele episódio?

O recado da parte da prefeitura de São Paulo foi muito forte repreendendo e condenando a ação da polícia civil na “cracolândia” naquela oportunidade. É inaceitável que uma ação de forma desarticulada, no momento que está se desenvolvendo um programa que nunca foi desenvolvido e estava dando resultados, entre prefeitura, governos estadual e federal, um setor do estado, de forma solitária, resolve tomar frente de uma ação de repressão, colocando em risco o sucesso do programa.

O prefeito Fernando Haddad ligou para o governador Geraldo Alckmin e repudiou a ação da Polícia Civil naquela oportunidade e os vários secretários manifestaram a mesma opinião. O governo deu uma resposta na imprensa muito recentemente dizendo que aquela ação foi uma ação legítima. É da competência do governo do estado, cabe a ele assumir a responsabilidade por aquele ato, mas eu não concordo. Foi uma ação irresponsável e não ajudou.

Ela até pode ter ajudado, sim: a unificar muito mais a ação da rede social da prefeitura de que essa experiência não pode dar errado. Mais do que isso, uma preocupação que tínhamos em relação a isso foi praticamente esclarecida. A nossa preocupação era de que o beneficiário não ia entender exatamente aquela ação colocando todo o Estado em um mesmo patamar. Os beneficiários entenderam nas nossas várias ações, conversas, atividades de formação, oficinas, que aquilo não tinha absolutamente nada a ver com a gente. Isso foi importante, porque não abalou o nosso programa e, ao mesmo tempo, unificou.

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Secretário promete sistematização de demandas sociais para facilitar execução e acompanhamento

No que diz respeito a redução de danos, a prefeitura já avaliou se existe possibilidade juridicamente para criar espaços seguros para o consumo de drogas, como há em outros países?

Está mais do que na hora de enfrentar o debate sobre a questão da droga no nosso país, como o Uruguai já enfrentou, como os outros países já enfrentaram. Eu sei que é um debate muito difícil, mas é hipocrisia achar que vamos continuar vivendo com a mesma compreensão, até porque a sociedade não vive isso, a sociedade está discutindo isso, a sociedade está enfrentando isso, e o Estado tem de enfrentar esse debate.

Você tem países onde as doenças caíram de forma extremamente significativa e o consumo da droga também, a partir do momento em que o próprio Estado começou a fornecer as drogas para que houvesse a redução de danos. Isso aconteceu no Canadá, acontece nos Estados Unidos, acontece na Holanda, na Dinamarca, Portugal. O Estado oferece seringas e a própria droga para que a pessoa possa fazer uso da substância até ao ponto de ir diminuindo. Isso tem diminuído de forma drástica mortes por várias doenças provocadas pelo uso de seringas, pelo uso inadequado da droga e assim por diante. E tem caído o consumo.

Qual é o nosso objetivo? Enfrentar o problema do consumo inadequado da droga que causa mal à saúde, que causa mal à pessoa. Consumir ela vai, de forma maior ou menor. Nós temos de tratar isso sem hipocrisia, enfrentar o debate, vamos discutir a descriminalização da maconha, o uso da droga. Isso tem de ser feito.

Na questão da “cracolândia”, estamos muito longe disso, mas acho que a experiência que está sendo realizada pode provocar uma reflexão maior sobre isso. O que está acontecendo na “cracolândia” hoje está virando referência nacional e também tenho certeza que tem repercussão internacional. Isso vai trazer reflexões. Nós estamos pensando em realizar nos próximos meses, em parceria com o Ministério da Saúde, um seminário nacional, talvez internacional, para discutir as experiências do Brasil e internacionais na questão do enfrentamento da drogadicção.

O senhor já falou que o prefeito e o governador conversaram a respeito disso. Não existe receio, pela prefeitura, de que uma ação como aquela possa se repetir? A prefeitura tem alguma garantia de que, se isso acontecer, vai estar informada, pelo menos?

Eu sou uma pessoa muito otimista e acho que não interessa a ninguém uma ação daquela. Pode interessar a alguns grupos muito minoritários. Mas, de certa forma, não interessaria ao governo do estado, à prefeitura, à sociedade civil que seja desestabilizado um processo que pode dar certo. Não estou dizendo que vai dar certo. A minha vontade é que dê certo. Pela primeira vez na história do enfrentamento àquela estamos vendo resultados positivos, tendo a liberdade como a questão central da intervenção.

Isso é importante. Eu não acredito que o governo do estado ou a própria polícia possa cometer uma intervenção daquela novamente sem ter uma reflexão maior sobre isso. Eu aposto que isso não vai ocorrer e se tiver qualquer necessidade de uma intervenção maior por conta do tráfico, será debatida, conversada e refletida conjuntamente com os entes federados.

Qual a política de cultura de paz aplicada e desenvolvida pela secretaria?

Essa é uma pergunta relativamente fácil porque tudo que a gente faz é por uma cultura de paz. Todos os nossos problemas estão voltados para isso. Nós lançamos durante esse ano programas importantíssimos para a gente. Eu vou citar alguns. Lançamos em outubro o Juventude Viva, que visa a enfrentar o problema do homicídio contra a juventude negra na periferia.

O programa articulação mais de 60 ações, com recursos de R$ 200 milhões, em territórios mais vulneráveis da cidade de São Paulo. Essas ações são de afirmação dos direitos humanos, não apenas ações de resistência. Nós acreditamos que o enfrentamento da violência vai se dar pela afirmação dos direitos da pessoa, no caso a juventude negra na periferia.

Na periferia o estado é praticamente ausente, a presença do estado se dá pela polícia. Nós queremos levar a presença do estado pela cultura, pela educação, pelo esporte e pelo acompanhamento psicossocial. Vamos também levar pontos de cultura, praças com wi-fi e outras ações importantes para que a juventude possa ocupar os espaços públicos daquela comunidade.

Outro programa, o Direito à Cidadania, Direito à Cidade, define como nós vamos ocupar a cidade. Nós temos uma cidade fechada para a cidadania, uma cidade em que se fazem bancos e praças em que as pessoas não possam deitar, não possam sentar, não possam juntar e conversar. Muitas praças e parques estão cercados, não têm sequer bancos. Muitos parques e praças não têm iluminação.

Nós vamos trabalhar para que esses espaços possam ser adequados e ocupados pela população, ocupados pelos coletivos de juventude. Esse programa vai ter um edital que vai apoiar os coletivos urbanos da cidade de São Paulo com até R$ 40 mil para pequenas intervenções urbanas, sejam elas de grafite, teatro, assim por diante. Isso constrói uma cultura de paz.

Nós acreditamos que contar a verdade sobre a nossa história constrói uma cultura de paz, por isso o programa Direito à Memória e à Verdade quer fazer uma investigação profunda e ajudar na apuração de todos os casos de assassinato da época da ditadura. Ajuda a construir uma cultura de paz, porque ajuda que essa história não se repita. Nós vamos mudar os nomes das ruas, nomes das praças, dos viadutos em um processo construído com a população.

Você não pode mudar o nome de uma rua que tem 100 moradores de forma aleatória e autoritária. Você tem que envolvê-los e explicar quem é o Sérgio Fleury para as pessoas que moram nessa rua. Elas precisam saber que Sérgio Fleury foi um dos maiores torturadores da história do Brasil e, por isso, ele não merece nome de rua.

Vamos trabalhar na identificação dos mortos e desaparecidos políticos. Nós temos 1.044 ossadas de Perus depositadas no ossário de Araçá para que seja feito todo o trabalho de identificação. Se nós fizermos este trabalho, nós estamos contando a história não contada e construindo um território de paz. A gente pode se sentir muito contemplado no dia de hoje que a gente está em uma linha certa.

Já que o senhor falou de ocupação dos espaços, logo no começo do governo Haddad, nos primeiros dias, houve aquele episódio envolvendo a Guarda Civil e skatistas na praça Roosevelt. Aí se iniciou um processo de diálogo com a Secretaria de Segurança para tentar mudar a filosofia e as práticas da Guarda Civil. Isso avançou?

Avançou muito, por vários motivos. Primeiro, porque o prefeito tem essa determinação. Ele quer criar uma nova cultura de paz na cidade de São Paulo, ele quer criar uma política fundada nos direitos humanos e, portanto, a Guarda Civil deve ser porta-voz de uma nova prática, de uma nova abordagem considerando o respeito às pessoas. Uma grande meta que nós temos nestes quatro anos de governo é que ao final do mandato possa perceber que a Guarda está diferente. Essa é a nossa meta.

Existem desvios, mas esta não é a política do Estado. Estes desvios nós vamos corrigir com um processo continuado de acompanhamento, de respeito aos direitos humanos e de valorização da guarda. Fundamentalmente isso, você não pode construir uma nova cultura se você não valorizar a guarda desde a questão profissional, salarial, condições de trabalho, autoestima… você não pode exigir dela cuidado se você não cuidar dela e respeitar ela valorizando o seu trabalho.

Quanto ao preconceito, das áreas em que, à medida que aumenta o combate a ele, aumenta também a resistência. Como construir uma cultura de paz num país que tem uma cultura de violência?

É essa a questão. É uma questão muito difícil porque nosso país, eu costumo dizer isso, nosso país foi fundado na violação dos direitos humanos, foi primeiro uma invasão dos portugueses, um genocídio indígena, depois vem a escravidão, em que dizimou milhões de negros, e que até hoje a gente carrega as marcas do preconceito da escravidão. E passamos por duas ditaduras, uma do Getúlio e outra do regime militar em 1964.

Eu não acho que existe hoje mais homofobia do que existia antes, o que existe hoje é uma afirmação, e uma apropriação de direito de ser o seu gênero, seu direito de orientação sexual muito mais explicita. E isso é muito importante, e isso é muito bom, e como você disse, isso promove reações muito fortes, que resultam em violência. O que nós temos que fazer, nós temos que inibir, coibir a violência de forma muito forte, nós temos que lutar para que se amplie os direitos das pessoas de terem a orientação que quiser né, que quiserem, e nós temos que lutar para que essas afirmações aconteçam cada vez mais, como está acontecendo no nosso país.

Nós temos, respeitando o Estado de direito, de coibir essas violações, com leis, com prisões, com o que for preciso, mas acima de tudo com educação, com educação em direitos humanos, nós não podemos assim aceitar, sinceramente, foi uma grande bobagem aquela discussão em torno do chamado kit gay. É fundamental que as pessoas possam ter materiais para que as escolas trabalhem a questão de orientação da sexual.

É obrigação do Estado. Se o material está adequado ou não é outro papo. Quantos materiais inadequados a gente vive? Eu me formei cantando o hino nacional todo dia 31 de março, para comemorar a ditadura militar, existe material e orientação pedagógica mais inadequada como essa?

Agora, não pode por uma questão eleitoral, por uma questão de pressão de determinados setores da sociedade você não fazer as mudanças estruturantes necessárias que tem que fazer, você tem que ter muito mais coragem, muito mais determinação para fazer essas mudanças de cultura, que podem promover uma mudança de cultura em nosso país.

O que senhor pensa de black blocs e rolezinhos? São fenômenos que trazem um cunho nos movimentos sociais? A postura da prefeitura em relação aos ‘rolezinhos’ foi diferente da postura que ela teve inicialmente com as manifestações de junho?

Tem dois parâmetros importantes que devem balizar a nossa compreensão e a nossa posição sobre qualquer manifestação pública. Primeiro, é fundamental que não haja violência de ninguém, nem da parte do Estado, fundamentalmente da parte do Estado e nem da parte da sociedade civil. Não podemos aceitar violência em hipótese alguma, nem da sociedade civil, muito menos do Estado. O Estado tem a obrigação de não cometer violência alguma.

É fundamental a manifestação, uma manifestação pública, mas eu não posso aceitar a violência.

O movimento dos black blocks é uma manifestação legitima da sociedade, quando ela se sente não contemplada, quando ela sente que sua demanda está longe de ser cumprida, quando ela se sente desrespeitada.

Devemos compreender melhor a sua natureza, o seu estilo, para podermos nos relacionar com ela, para podermos dialogar com ela. Mas, ao mesmo tempo, eu não posso aceitar que um movimento, seja black blocks ou não, seja um movimento que deprede o espaço publico, que deprede o espaço privado, ou o que quer que seja.

Nesse sentido eu acho que, já entrando na questão dos ‘rolezinhos’, eu não acho que o governo agiu de forma diferente. Em junho houve uma reação primeiro muito atordoado, legítima da parte da prefeitura, no que diz respeito de como estava lidando com aquelas manifestações em torno das passagens, que mobilizou milhares e milhares de pessoas, depois se alastrou por todo país.

Ninguém estava entendendo direito o que estava acontecendo, a gente sabia que aquilo não poderia ser só por vinte centavos, que aquilo era um movimento muito maior de insatisfação, de outras coisas que não tinham absolutamente nada a ver com a prefeitura, então a prefeitura agiu de uma forma muito esquisita, porque ninguém tinha clareza do que estava acontecendo.

E o ‘rolezinho’ é um outro tipo de manifestação importante, ninguém pode tirar o direito de liberdade de qualquer movimento, de qualquer classe social, muito menos de qualquer classe social, de se manifestar, ou de visitar, ou de se expressar, seja através do consumo, seja através da música, seja através de qualquer atividade cultural, seja através de qualquer espaço, seja publico ou privado.

Primeiro teve uma questão assustada dos shoppings centers, de uma parte da população houve uma preocupação aí, carregada de preconceito. Porque não poderia conceber a hipótese de que a população da periferia, de uma outra classe social, viesse em massa para o shopping.

Aprendemos um pouco com o que aconteceu nesse ano de manifestações, de um novo momento. A nossa administração também está se construindo na sua forma, no seu jeito, no seu dia a dia. Uma administração democrática é aquela que está aberta a cada minuto para prender do seu dia, sobre como lidar com situações complexas que a cidade criou.

Como o senhor avalia a importância dos conselhos participativos do ponto de vista dos direitos humanos?

Os conselhos participativos são um grande conquista da sociedade civil. É um entendimento que estamos construindo desde o inicio, de ter o governo participativo como método de gestão. Não existe nenhum governo que seja extremamente eficaz, nenhuma política pública realmente eficaz, se não contar com a participação da sociedade civil, porque ela sabe quais são as demandas e sabe muitas alternativas e respostas para essas demandas. É evidente que o estado tem a obrigação de pegar aquela proposta e adequar de acordo com seus fluxos, seu orçamento, suas possibilidades, e também com as diretrizes políticas para as quais o governo foi eleito.

Essa linha direta com a população vai se expressar pelo Sistema Municipal de Participação Social que estamos criando, com envolvimento de mais de uma dezena de secretarias. O que é esse sistema? Estamos fazendo um diagnóstico do que existe de canais de participação social – conselhos, comissões, conferências… Vamos mapear o que já está sendo feito, como se organiza, qual é paritário, qual não, quem tem estrutura, quem não têm, quais têm caráter deliberativo ou caráter consultivo.

E vamos criar uma política para isso, para que esse sistema seja uma política de governo, para receber e organizar as demandas sociais. De modo que quando um movimento social seja recebido por um administrador, por um secretário e há uma pactuação, temos de atender. Tem de haver monitoramento dessas demandas, para que daqui a um ano, dois anos, o movimento social não tenha de ir a uma audiência com a mesma reivindicação.

Por isso que há muitos movimentos que estão de saco cheio. Eles fazem o movimento na rua. Mas o prefeito só está há um ano no governo, e a demanda foi apresentada há 10, 15 anos. Esse sistema está praticamente fechado com a equipe técnica. Quando o processo estiver concluído, deve ser assinado um decreto regulamentando-o.

O Conselho Participativo é a mais forte presença do entendimento de que a participação social é fundamental. É motivo para uma grande comemoração, ainda mais quando, pela primeira vez na história do Brasil, os imigrantes terão direito a voz e a ser votado para algum órgão representativo da cidade de São Paulo.

A conferência municipal que foi realizada no final do ano passado, a primeira Conferência Municipal de Imigrantes da nossa cidade, tirou como um dos pontos principais o direito de voto dos imigrantes. Essa decisão será levada agora para a Conferência Nacional, que deve acontecer em maio, em São Paulo. Quando o voto do imigrante tiver valor ele começará a ser respeitado de maneira diferente. Quando o prefeito assina um decreto estabelecendo o direito ao voto dos imigrantes para o Conselho Participativo, sinalizando essa importância do voto, para o imigrante e para a gestão.