‘Para a rua eu não vou. Meu filho não pode ir trabalhar sem tomar banho’

Famílias de prédio têm mais medo de ficar sem teto do que de viver sob risco 'eventual, mas iminente' de incêndio. Ministério Público pede evacuação e moradores se organizam para instalar extintores

Fios espalhados e cômodos são divididos por madeirite. Não há elevador e um dos blocos tem 21 andares ocupados <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Silmara Congo: “Mas e o risco das famílias irem parar na rua?  <span></span> <span></span>Prestes Maia está ocupada desde 2010 <span></span>453 famílias ocupam o prédio <span></span> <span></span>

São Paulo – Há risco de incêndio, admitem os moradores da Ocupação Prestes Maia, no centro da capital. Não era necessário que o laudo dos bombeiros dissesse a eles. Fios cortando cômodos improvisados e corredores deixam qualquer leigo em alerta. A perícia técnica serviu como argumento para que o Ministério Público de São Paulo pedisse, no dia 10, a saída das 453 famílias que vivem no prédio, a poucos metros da Estação da Luz. Mas a preocupação maior não é com as dificuldades de uma evacuação do edifício sem elevadores. O que mais as aflige é a falta de teto.

“Para a rua eu não vou. Meu filho não pode ir trabalhar sem tomar banho”, explica Luciana Silva, de 43 anos, que lava roupas para famílias que vivem no prédio. Ela está no local desde o início da ocupação, em 2010, com o filho de 19 anos e uma sobrinha de 9, com quem divide uma das duas camas de sua casa.

Luciana nunca morou em uma casa própria e nunca teve uma moradia onde tivesse banheiro dividido apenas com membros de sua família. Aos 16 anos, deixou a casa dos parentes que a criaram e foi morar em uma pensão. Depois, pulou de ocupação em ocupação, até chegar à Prestes Maia. “Meu filho tinha 5 anos na primeira que nós fomos”, lembra.

Segundo o pedido do MP, cerca de 70 profissionais de combate ao fogo estiveram no local para se preparar para um “eventual, mas iminente” incêndio e constataram que o número de mortes poderia ser maior do que as os dos maiores incêndios já registrados na cidade, como nos edifícios Joelma, Andraus e Grande Avenida. O potencial de perigo atinge 800 pessoas, já que não há, segundo as vistorias, sistema de prevenção e contenção de chamas na ocupação, de 21 andares.

Além disso, o documento estima que seriam necessários 20 dias para retirar todos os moradores do prédio com ajuda de helicópteros e cestas, e é taxativo em afirmar que a ocupação é uma “verdadeira bomba-relógio”.

A informação do pedido de retirada dos moradores, que ainda precisa ser julgado, chegou aos moradores na segunda-feira, graças a uma ligação da reportagem da RBA, que pegou todos de surpresa. “A gente já estava esperando a decisão da prefeitura para as famílias serem atendidas. O prédio não é mais do proprietário, é da prefeitura. De repente, deparamos com uma repórter ligando para dar essa notícia”, afirma Silmara Congo, uma das coordenadoras do edifício, que tem dois blocos, um com nove andares e outro com 21, todos ocupados. “O risco é claro. Isso nós mesmos temos certeza. Mas e o risco das famílias irem parar na rua? Isso ninguém fala”, defende.

Antes de ser abandonado durante 18 anos e acumular uma dívida de mais de R$ 5 milhões em impostos, o prédio sediava uma fábrica. Há uma lavanderia e um banheiro coletivo por andar e as lajes amplas são adaptadas para servir como moradia com paredes de madeirite, para que cada família tenha seu espaço privado, com móveis, eletrônicos, geladeiras e fogões a gás.

Todos os andares são repletos de crianças e há famílias com até onze jovens, além de pessoas com doenças graves, como tumores cerebrais e outras com deficiências físicas.

Em agosto deste ano, a prefeitura decretou o imóvel como de interesse social. Os moradores vão dividir os custos de um estudo técnico para viabilizar uma reforma no edifício para adaptá-lo ao uso residencial. O orçamento para a instalação de pelo menos dois extintores de incêndio em cada um dos andares será feito amanhã.

Muita gente se desespera logo, mas a gente tenta acalmar, dizer que a gente vai lutar”, conta Gracione Freitas do Nascimento, coordenadora de um dos andares da ocupação. Ela também foi despejada de outra ocupação antes de ir para a Prestes Maia, onde três camas são divididas por seis pessoas. “Mas o que tiver que ser feito pra gente ficar aqui, vai ser feito. A gente vai lutar”, reafirma.

Angelita Conceição da Silva, de 34 anos, também já viveu a apreensão da ameça de despejo. Mas diz nunca se acostumar. Ela tem cinco filhos, todos nascidos em alguma das quatro ocupações em que já morou. “Nas outras era diferente porque não tinha movimento por trás. Era só as pessoas que iam e entravam nos lugares abandonados. Quando é assim não tem ninguém que fale com você ou por você. Aqui não, aqui a gente tem esperança de ficar. Mas quando vem essa notícia, dá um desespero. Para onde a gente vai? Pensão não aceita esse monte de criança e aluguel eu não tenho condição”, explica.

Leia também

Últimas notícias