Luta pela moradia

Famílias fazem ocupações em série em terrenos no extremo sul de São Paulo

Escola desativada foi o estopim para ocupação de áreas públicas e privadas na região do Grajaú. Manifestantes afirmam ter agido de forma espontânea, sem organização de movimentos

Clube Aristocrata foi rebatizado pela população ocupada <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Dayane Gomes, ao centro, recebe apoio de amigos para ficar na ocupação <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Aplainando o terreno, Fátima Brito espera poder construir a própria casa aqui <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Aos poucos, moradias de lona e madeira vão dando forma à ocupação <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Assembleia batiza terreno de granja como Recanto da Vitória <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Rogério e Alice sonham com seu espaço para criar o pequeno Pedro Henrique <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Janete Pereira espera não ser mais expulsa de seu pedaço de chão <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>A corrosão da estrutura da escola vinha sendo fonte de preocupação dos pais <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Os filhos do cozinheiro Manuel Neto já se sentem em casa no terreno ocupado <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>A EE João da Silva é uma escola de lata, construída em um terreno ingrime e instável <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>

São Paulo – Centenas de famílias fizeram ao menos três ocupações na região do Grajaú, no extremo sul de São Paulo, desde a última quinta-feira (25), segundo a Polícia Militar e moradores. Os ocupantes afirmam ter agido de forma espontânea, sem orientação de movimentos sociais de moradia.

Com 200 famílias, o terreno do antigo Clube Aristocrata, no Jardim Lucélia, foi ocupado, em princípio, devido ao fechamento da escola estadual João da Silva, que fica no mesmo local. A escola, que atendida 700 crianças, está com as estruturas comprometidas. Os pais pediam sua reforma, mas o governo Geraldo Alckmin (PSDB) decidiu fechá-la. Os alunos foram transferidos para duas escolas no Jardim Noronha, a cerca de um quilômetro de distância.

A dona de casa Ingrid Rocha, de 22 anos, é mãe de uma aluna da primeira série e participou das reivindicações por reformas. Ela foi uma das que conversaram com o secretário adjunto Estadual da Educação, João Cardoso Palma Filho, em 20 de junho.

“Ele disse que a escola seria reconstruída, mas não deu prazo, nem entrou mais em contato com as famílias”, afirma. Ingrid conta que foram sugeridos os terrenos do Jardim Ideal e do Clube Aristocrata, mas o governo rejeitou as propostas.

“Se não serve para fazer escola, nós vamos morar nele. Chega de terreno vazio servindo para tudo que há de ruim por aqui”, completa.

A Secretaria Estadual da Educação não respondeu os questionamentos da RBA sobre a perspectiva de construção da escola em outra área do bairro, feitos desde a última quinta-feira (25).

Quando não havia mais espaço na área do clube, 40 famílias ocuparam também o terreno na rua Lagedo, no Jardim Ideal, ao lado da escola. O cozinheiro Manuel Neto, de 33 anos, e a esposa dele, Ana Paula Campos, de 30 anos, mantêm um barraco que serve de cozinha da ocupação no local.

“A gente mora em dois cômodos cedidos pelo meu sogro. As meninas maiores, de 8 e 12 anos, dormem na cozinha e o mais novo com a gente. Com R$ 1mil de salário não tem condição de pagar aluguel, manter a casa, comer e vestir”, lamenta.

O terreno do Clube Aristocrata é uma área de 23 mil metros quadrados. Uma parte dele é ocupada pela escola. O restante está desativado há cerca de dez anos, segundo os moradores, mas a população podia utilizar o campo de futebol, onde funciona o Aristocrata Futebol Clube, time de várzea que homenageia o antigo clube.

“Em 2008, a gestão do prefeito Gilberto Kassab (PSD) desapropriou o terreno e realizou ações de aterramento e colocação de grades, que deveriam culminar com a criação de um parque linear no local. Cinco anos se passaram e nada mais foi feito”, relata Neto.

Povo Unido para Vencer

As famílias batizaram a ocupação de Povo Unido para Vencer. A área está sendo dividida em lotes de 5×25 metros, deixando espaço para ruas e formando quadras. Uma parte do terreno está reservada para a construção da escola, que é a reivindicação inicial da população. Não há água encanada ou energia elétrica. A alimentação é trazida de fora, em potes de sorvete, ou preparada ali mesmo, na fogueira. O campo de futebol foi preservado.

A depiladora Dayane Gomes, de 25 anos, almoçava junto com outras seis pessoas: arroz, feijão e carne de panela. Três cunhadas dela também estão no terreno. Ela enxerga na ocupação a oportunidade de ter uma casa para deixar para o filho.

“Meu marido é eletricista. Nós somos autônomos, não temos garantia de salário e não podemos fazer um financiamento. Essa é a nossa chance”, crê. Dayane e o marido pagam R$ 500 de aluguel por mês. Ela afirma que muitas vezes fica no limite da renda.

Fátima Bernardes de Brito, de 17 anos, capinava e nivelava o terreno, enquanto o marido, Douglas Gonçalves, de 23, está no trabalho. “A gente constrói junto, se precisar. O que não podemos é pagar um aluguel de R$ 350. Nossas famílias ajudam, mas não podem nos sustentar para sempre”, afirma.

Segundo os ocupantes, a Guarda Civil Ambiental esteve no local e avisou que nenhuma árvore pode ser derrubada. Desempregado, Weberton da Silva, o Alemão, de 27 anos, afirma que o cuidado com o verde tem sido a orientação geral.

“Quanto mais verde melhor. Estamos conversando e pedindo isso nas assembleias desde o começo. Não pode derrubar árvores, nem por fogo, mas capinar e nivelar não tem problema”, explica. Já a Polícia Militar não esteve no local.

Recanto da Vitória

Outra área ocupada é supostamente de propriedade de Ricardo Takahara Onoda, dono da Granja RT Onoda. Tem cerca do dobro do terreno do clube e é bem mais adensada de vegetação.

A área também está ocupada desde a quinta-feira e muitas famílias afiram que vieram para este terreno porque já não havia lugar no Aristocrata. Aqui são cerca de 900 famílias, que a batizaram de Recanto da Vitória, durante assembleia na tarde de ontem (29).

A dona de casa Elaine Aparecida, de 25 anos, veio com o marido e as três filhas após ouvir um boato de que o proprietário teria perdido a posse da terra. “Moro em cima da casa da minha sogra, em dois cômodos, a R$ 320. Tenho de cuidar das meninas e só meu marido pode trabalhar”, conta.

Janete Pereira dos Santos, de 65 anos, tem uma história mais sofrida que a média. Antes de ocupar um pedaço de 5×15 na área da granja Onoda, ela vivia em um barraco de madeira sob uma torre de energia, do outro lado da avenida Teresa Farias Isassi. Ela veio para São Paulo após o assassinato do marido, em Guarujá, há dez anos. Sem emprego desde então, vive em companhia de um filho, dois netos e de um amigo do marido que veio do Nordeste para trabalhar com ele e não teve como voltar.

“As vezes vem gente da prefeitura ou da Eletropaulo e derruba o barraco. A gente espera, fica uns dias na rua e depois volta. Com mais de 50 anos eu nunca consegui trabalho. Só recebo R$ 130 do Bolsa Família que, junto com a que gente consegue com recicláveis, garante a sobrevivência.”

Já Pedro Henrique da Silva ainda nem entende o que está acontecendo. Com um mês de vida, ele era carregado pelo tio, Renan Vicente da Silva, de 18 anos, que com a mãe do menino, Alice Oliveira, de 16 anos, procurava o pai dele. Rogério Vicente da Silva, aos 20 anos, cavocava um sonho com a enxada. “Somos nós, mais 8 irmãos, meu pai e minha mãe. Vim buscar uma terrinha para a gente, ter privacidade, criar nosso filho.”

A Secretaria Municipal de Habitação informou que das três ocupadas, duas são particulares Jardim Ideal e Terreno da Granja e uma terá a implementação de um parque – Clube Aristocrata.

“Com relação à área do Clube Aristocrata, o local teve o Decreto de Utilidade Pública decretado. Em janeiro deste ano, a Secretaria de Habitação foi notificada pela justiça sobre a possibilidade de atendimento de quatro famílias que residiam no local.  As famílias foram atendidas através dos programas habitacionais e desocuparam a área. A nova ocupação é muito recente e a PMSP tenta negociar a desocupação pacifica.”

“Com relação às outras duas áreas, informamos que são áreas particulares e o processo de reintegração de posse é uma medida judicial, entre o proprietário e a justiça. Ainda não recebemos determinação judicial a respeito do processo de reintegração de posse dessas áreas.”