Especial: para ex-coordenador, ‘mentalidade de cadeia’ explica acusações

Diretor de unidade de Taubaté não confirma dados do MPE de que pacientes tenham tido problemas graves por medicação punitiva. Segunda reportagem da série analisa acusação a médico

A Rede Brasil Atual apresenta esta semana uma série de reportagens sobre a acusação feita ao ex-coordenador de Saúde da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, Paulo César Sampaio. O militante da área de direitos humanos é investigado pelo Ministério Público Estadual (MPE) por supostamente ministrar remédios como punição a pacientes envolvidos em um motim na Casa de Custódia, em Taubaté, São Paulo. Nesta segunda reportagem de “Um estranho no ninho” o médico avalia os motivos que levaram o Ministério Público Estadual a fazer as acusações contra ele.

A Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) não se manifesta oficialmente a respeito do caso de Paulo César Sampaio. O médico aguarda, desde sua saída do cargo de coordenador de Saúde daquele  órgão, no último dia 22 de fevereiro, uma posição do secretário, Lourival Gomes.

À reportagem, a resposta da SAP, enviada à reportagem por e-mail, foi padrão. “Até o momento, a Secretaria da Administração Penitenciária não vem se manifestando sobre o caso. A exoneração foi feita a pedido do próprio funcionário.”

Ao longo das últimas semanas, além dos pedidos de explicações apresentados à secretaria, foram procurados o diretor da Casa de Custódia de Taubaté, Adriano Maldonado, e o diretor da Coordenadoria dos Presídios da Região do Vale do Paraíba e do Litoral (Corevali), Luiz Henrique Righetti. Ambos informaram, sem falar diretamente com a reportagem, que deveria ser procurada a secretaria.

De Maldonado tem-se a resposta por escrito às perguntas apresentadas por Paulo César Sampaio sobre os fatos ocorridos entre 15 e 17 de novembro de 2008.  Naquela ocasião, de acordo com encarcerados ouvidos pelo Ministério Público Estadual (MPE), o médico Paulo César Sampaio, então na qualidade de coordenador de Saúde da SAP, compareceu ao local e determinou a utilização de medicação como forma de punição aos envolvidos no motim. Uma das testemunhas diz que um colega quase chegou a morrer, mas não sabe informar o nome da suposta vítima.

Indignado com as acusações que vieram à tona em fevereiro último, primeiro com a conclusão dos trabalhos realizados pelos promotores, que acabou gerando uma reportagem no jornal Vale Paraibano, Sampaio decidiu enviar mensagem a Adriano César Maldonado pedindo-lhe que respondesse a algumas questões acerca da rebelião.

À pergunta sobre qual preso quase morreu naquela ocasião e foi levado para o hospital, a resposta de Maldonado foi de que “não há registro do caso citado. O paciente que apresentou queixas clínicas foi Antônio Melo (nome fictício), porém atendido na própria Unidade.”

A respeito de pacientes que hoje vegetam, Maldonado respondeu que ‘não há casos como os mencionados’. Sobre se aconteceram ameaças a pacientes: “Não. Em caso de recusa, conforme registro em prontuário médico, houve a prescrição de medicações injetáveis”.

Uma outra questão é considerada das mais importantes pelo médico Sampaio. Maldonado aponta expressamente que o psiquiatra “era acompanhado por auxiliar de enfermagem, equipe de segurança e membros das diretorias”.

Como militante de direitos humanos, Sampaio lamenta que tenha permitido que suas visitas à Casa de Custódia de Taubaté fossem acompanhadas por funcionários e diretores locais – teria sido uma oportunidade para ouvir diretamente dos internos se eles sofriam maus tratos.

Mas este pode ser este um argumento valioso na tentativa de provar que ele vem sendo acusado injustamente: se tudo foi feito na presença de outras pessoas, não haveria como administrar medicação como forma de punir os rebelados da Casa de Custódia.

Mentalidade de cadeia

Paulo César Sampaio assumiu a Coordenadoria de Saúde da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) em fevereiro de 2008 com a condição de que pudesse trazer para seu escopo a Casa de Custódia de Taubaté.

A argumentação era de que o local, sob comando da Coordenadoria de Unidades Prisionais da Região do Vale do Paraíba e Litoral (Corevali), funcionava como um ‘depósito de pessoas’. Em diversos ofícios trocados entre os integrantes da SAP, o psiquiatra reforça que a unidade, como era de se esperar, era muito mais uma prisão, em vez de um hospital.

Mesmo sem o comando da Casa de Custódia, Sampaio passou a fazer visitas mensais à unidade, para dar atendimento aos pacientes e tentar a transição para a Coordenadoria de Saúde. O psiquiatra pensava que as coisas estavam caminhando bem, com a mudança para um tratamento mais humanizado e novas possibilidades para os internos.

“Não podíamos falar o que realmente estava acontecendo para não sofrer mais represálias. Mas quando ele [Sampaio] estava para ir dar o atendimento (sic) tudo era limpo, os pacientes cuidados”, relata um ex-interno.

Ao dar-se conta de que as mudanças não estavam de fato ocorrendo, Sampaio decidiu contratar outro psiquiatra para que fizesse o acompanhamento da unidade e manteve a dedicação ao seu projeto de trabalho em Franco da Rocha, que será apresentado em detalhes ainda nesta série de reportagens.

“Em Taubaté, a forma de tratar os pacientes é em termos de castigo e de mentiras. Dizem aos internos que eles vão embora [terão alta], mas não vão”, afirma.

Mas Sampaio manteve a tentativa de transferir a unidade do interior paulista para a Coordenadoria de Saúde, e pensa que pode estar aí uma das explicações para as acusações contra ele.

Continuou ocorrendo uma longa troca de mensagens e textos entre ele e Adriano César Maldonado. As datas e o teor das mensagens, às quais a reportagem teve acesso, deixam claro o desgaste na relação.

Sampaio havia solicitado ao diretor que formulasse um projeto para os dependentes de álcool e de drogas. No dia 13 de janeiro de 2009, recebeu uma resposta de Maldonado com apenas cinco tópicos. Irritado, o psiquiatra elaborou rapidamente uma proposta completa, de cinco páginas, enviado menos de duas horas depois ao diretor. Nas semanas seguintes, o interesse de Adriano Maldonado pela questão parece ter esfriado, a ponto de que passassem quatro meses entre a resposta a uma mensagem.

O psiquiatra aponta que seu projeto e sua trajetória ligada aos direitos humanos podem ter incomodado alguns quadros da Secretaria de Administração Penitenciária que têm ‘mentalidade de cadeia’. “Por que isso foi feito? Porque eu tenho a proposta de abrir um espaço, de humanizar, de dar qualidade de vida. Por trás de tudo isso, tem essa raiva de um pessoal conservador por eu dar a essas pessoas uma vida digna”, afirma.

Ele acha estranha a situação na qual está envolvido. Não entende por que fatos ocorridos em novembro de 2008, supostamente colocando em risco a saúde de seres humanos, vieram à investigação apenas no fim de 2009. “Se você é diretor de um hospital, seu paciente quase morre por conta de remédio (sic) e você não denuncia? Tem alguém [que ficou] em estado vegetativo, e você não avisa ninguém?”, indaga.

Nesta quarta-feira, a terceira parte da série especial.