Como esvaziar debate sobre Cracolândia e Pinheirinho

Recentes repercussões trazidas pela mídia tradicional sobre as ações do governo de São Paulo, comandado por Geraldo Alckmin (PSDB), e da prefeitura da capital, de Gilberto Kassab (PSD), no caso […]

Recentes repercussões trazidas pela mídia tradicional sobre as ações do governo de São Paulo, comandado por Geraldo Alckmin (PSDB), e da prefeitura da capital, de Gilberto Kassab (PSD), no caso da ação de “limpeza” da área central da capital conhecida como Cracolândia merecem atenção.

Segundo reportagem da Folha de S. Paulo desta terça-feira, o Palácio dos Bandeirantes passou a monitorar manifestações organizadas nas redes sociais para evitar que o governador seja alvo de protestos. O jornal chamou o grupo, articulado na Casa Civil e secretaria de Comunicação do governo paulista, de “gabinete antiprotesto”. Como resultado, o governador já deixou de comparecer a dois eventos marcados por manifestações – em uma delas, o prefeito Gilberto Kassab foi atingido por um ovo.

Não deixa de ser curioso que o colunista Gilberto Dimenstein tenha escrito no dia 29 que “pelo menos politicamente, Alckmin e Kassab venceram” com as ações na Cracolândia. A afirmação ecoa os resultados de uma pesquisa divulgada pelo Datafolha que afirma que 82% dos paulistanos concordam com a ação da PM no caso. Agora, diz o jornalista, não tem mais volta para os governos. “O poder público vai ter que, na marra, coordenar as ações de repressão, tratamento e prevenção para continuar seduzindo, num ano eleitoral, a opinião pública.”

Porque é disso que se trata: seduzir uma opinião pública atemorizada com a questão da segurança para quem “viciado é uma questão de polícia, não social. É uma visão pobre, mas é assim que funciona”, pondera o articulista.

A visão é semelhante à adotada pela revista Veja em sua última edição, que vê nas manifestações contra a truculência dos governos tucano e pessedista como manipulação do PT. “A estratégia do PT em São Paulo´e a velha Agit Prop leninista. Coloque os miseráveis na rua e agite até a polícia bater neles. Fotografe, filme e exiba nas eleições como prova de que oi governo é cruel”, resume a publicação.

O primeiro dado que chama a atenção é a desqualificação dos opositores. Taxar toda manifestação contrária de “manipulação petista” dá aos governantes o direito de não considerar tais manifestações como legítimas dentro de um sistema democrático. Aí, não há surpresa ou indignação na criação de um “gabinete antiprotesto” e pode-se cravar como sucesso uma operação como a da cracolândia, que dentro do pacote da “revitalização” da Luz, enfrenta forte oposição organizada de moradores, movimentos por moradia, lojistas e vários outros grupos colocados em meio ao problema.

Foge-se da necessária discussão sobre o acerto ou não das medidas. Não importa se a medida foi violenta, se atingirá os objetivos propostos e menos ainda discutir quais eram estes objetivos antes de tudo. Importa que a medida é bem avaliada, ponto.

Casos como o do Pinheirinho, o Projeto Nova Luz e a favela do Moinho expõem de forma muito clara o conflito pela ocupação dos espaços nas cidades. É a força dos grandes investidores imobiliários contra as necessidades de pessoas por moradia adequada, em local que ofereça infra-estrutura para trabalho, educação, lazer, transporte. Os governos de Geraldo Alckmin e Gilberto Kassab demonstram cada vez mais sua opção nessa disputa – o que, caso do prefeito, já foi demonstrado nesta matéria da repórter Suzana Vier para a Revista do Brasil, que acertadamente afirma: “Se o presidente do PSD desistisse da política, o ramo imobiliário o esperaria de braços abertos.”

O papel da imprensa não deveria ser o de meramente avaliar as consequências eleitorais das medidas, mas discuti-las dentro do contexto de disputa política – e aqui falo do real significado da palavra, ou seja, do embate entre os interesses presentes na sociedade – em que elas ocorrem. É levar aos leitores, que em sua grande maioria nunca pisaram em São José dos Campos nem moram na rua Santa Efigênia, os vários lados de cada questão e as possíveis consequências apontadas pelas opções dos governantes. Ao apresentar a questão por uma lógica meramente de resultados eleitorais, a imprensa esvazia o conteúdo real da discussão, que é a luta pelo direito ao espaço nas cidades. Um desserviço à democracia.