Sem narrativa

Política de transferência de renda não garante votos a Bolsonaro

A avaliação do governo Bolsonaro junto aos eleitores que recebem o Auxílio Brasil é pior do que junto a todo o eleitorado nacional, mostra o Datafolha

Arquivo Agência Brasil
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Bolsonaro sem narrativa para a transferência de renda: voto governista está em baixa no Nordeste

Há quem argumente que as pessoas mais pobres tendem a votar de acordo com o governismo. Para sustentar esta afirmação é dito que os pobres do Nordeste votaram em Fernando Henrique duas vezes em função dos benefícios do Plano Real, votaram em Lula e em Dilma duas vezes por causa do Bolsa Família. A votação de Haddad em 2018 junto a este segmento teria sido resultado de saída recente do PT do governo: o impeachment acontecera no primeiro semestre de 2016. Tratava-se, portanto, de um voto que expressava a saudade do PT no governo, um voto governista.

A consequência deste raciocínio é que Bolsonaro teria agora em 2022 a chance de conseguir o voto deste mesmo eleitorado, ainda mais devido a um aumento significativo dos programas de transferência de renda com a implementação do Auxílio Brasil de 400 reais. A pesquisa do Datafolha de março mostra que isso não aconteceu.

Os pobres nordestinos de 2022 não são governistas. A avaliação do governo Bolsonaro junto aos eleitores que recebem o Auxílio Brasil é pior do que junto a todo o eleitorado nacional, 19% de ótimo e bom contra 25%. Além disso, o Datafolha constatou que 62% daqueles que recebem o Auxílio Brasil declaram que jamais votariam em Bolsonaro. Junto a este grupo Lula tem 59% de intenção de voto no primeiro turno, ao passo que na mesma pesquisa ele atinge 43% em todo o eleitorado.

Mais claro impossível, os pobres beneficiados pela política pública de transferência de renda não votam no governo e rejeitam o presidente Bolsonaro. A questão é tentar compreender porque isso acontece.

Em todos os lugares do mundo os candidatos de esquerda são proporcionalmente mais votados pelo eleitorado mais pobre e os candidatos de direita pelo eleitorado menos pobre, isso ocorre independentemente de serem governo ou oposição. Tal divisão dos eleitores reflete a moralidade que move a esquerda: defesa dos mais fracos.

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Esta moralidade se traduz, dentre outras coisas, na defesa de transferência de renda para os pobres, proteção aos imigrantes, políticas de combate à exclusão social, taxação dos ricos, discursos críticos direcionados aos bancos e ao mercado financeiro, políticas sociais que ampliem o acesso a saúde e educação. Lula e o PT são movidos por isso, falam sobre isso e, quando governam, adotam medidas desta natureza. Bolsonaro, ao contrário, nunca se notabilizou por nenhuma destas características, nem poderia, pois o que mobiliza sua base e ele próprio é a moralidade da direita.

Assim sendo, a ampliação de uma política de transferência de renda sob o comando de Bolsonaro não modifica a elevada disposição de os eleitores de votarem em um candidato de esquerda, mesmo que ele seja oposicionista. O Auxílio Brasil de 400 reais causa dissonância em quem o recebe que não compreende porque alguém que nunca se preocupou com os pobres – Bolsonaro – acaba concedendo este benefício no ano eleitoral. Para resolver a dissonância nada melhor do que o senso comum, estes eleitores passam a considerar que Bolsonaro apenas fez isso para comprar seu voto. Não surpreende, portanto, a rejeição a ele e a grande votação que Lula tem junto a este segmento. Dinheiro no bolso só funciona quando devidamente “embalado e empacotado” por uma narrativa, coisa que Bolsonaro não tem.


Alberto Carlos Almeida é cientista político e sociólogo, especialista em pesquisas de opinião e marketing político

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