Desenvolvimento em foco

Criptomoedas x moedas digitais de bancos centrais

Nota técnica avalia principais diferenças entre moedas digitais oficiais propostas por bancos centrais e criptomoedas que circulam no mundo

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Ferramenta básica para operar no mercado, moeda é tudo o que pode ser aceito como forma de pagamento em transações. As funções da moeda são: ser meio de troca; denominador comum de valor (unidade de medida) e reserva de valor. Uma nota técnica na 20ª Carta de Conjuntura da USCS buscou avaliar as principais diferenças entre as moedas digitais oficiais propostas por Bancos Centrais e as criptomoedas que circulam no mundo.

Atualmente, existem três tipos de moedas. As moedas metálicas, emitidas pelo Banco Central, uma pequena parcela da oferta monetária que visa facilitar operações de pequeno valor. O papel-moeda, também emitido pelo Banco Central, representando parcela significativa de dinheiro em poder do público. E a moeda escritural ou bancária, representada pelos depósitos à vista nos bancos comerciais. Com a evolução tecnológica, o surgimento do mercado globalizado e informações transmitidas pela internet instantaneamente, os meios de pagamento se transformaram. O dinheiro de plástico (os cartões) passou a ser aceito e difundido, atravessando fronteiras.

Os principais bancos centrais do mundo anunciaram projetos de moedas digitais, que existem, apenas, nas Bahamas e, em fase de testes, na China. O Banco Central do Brasil (BCB), também, avança na discussão sobre a criação do “Real Digital”. Com isso, visa estabelecer as bases para a implantação de uma Central Bank Digital Currency (CBDC), que amplie a eficiência do sistema de pagamentos do país e favoreça sua participação em outros cenários econômicos e em transações transfronteiriças.

A era digital e o trabalho bancário
Nem toda a modernização significou necessariamente melhor atendimento. Ainda são milhões os “desbancarizados”, que não têm acesso a serviços financeiros

Alternativa digital segura

Diante da tendência de redução do uso de moedas físicas e preferência do público por pagamentos digitais, busca-se uma moeda digital como instrumento de pagamento alternativo seguro. Nas economias emergentes, a inclusão financeira é fator determinante para o desenvolvimento de suas moedas digitais. Atualmente, em função da pandemia e da possibilidade de transmissão do vírus da covid-19 por meio das trocas de dinheiro físico, seria essa mais uma razão para o desenvolvimento de moedas digitais oficiais. As CBDC “prometem” transformar o sistema financeiro internacional, elevando, significativamente, a velocidade das operações.

Uma CBDC é um ativo digital emitido pelo BCB com aceitação garantida por lei. Por ser digital, seria mais conveniente que o papel-moeda. Em relação a outros meios de pagamento, é mais segura, tendo conversibilidade em papel-moeda garantida. Para movimentá-la, podem ser abertas contas nos bancos, como uma conta tradicional. Como também é possível que a conta seja aberta no próprio Banco Central, alterando, significativamente, seu papel no SFN e tirando espaço das demais instituições.

A CBDC pode, ainda, ter formato de um “Token”, uma carteira digital que permite o anonimato. Nesse caso, seu uso se dá por senha, sem registros que identifiquem o proprietário e suas transações. Porém, a perda de senha levaria irremediavelmente à perda dos recursos. E o anonimato tornaria mais difícil coibir transações ilícitas e lavagem de dinheiro. Por essa razão, o grau ideal de anonimato ainda é algo em aberto nas discussões do BCB. O objetivo é prover um meio de pagamento prático e seguro. E que preserve o papel das instituições, das moedas estatais e limite o espaço das moedas digitais privadas.

O Real Digital

Com a criação do Real Digital, o BCB busca o controle do que circula também por esse novo ambiente, estabelecendo as regras de funcionamento desse sistema de pagamento, com os mecanismos de validação necessários para manter a confiança da população. Criptoativos, como o Bitcoin, são arriscados, não regulados e devem ser tratados com cautela pelo público. A CBDC, por sua vez, é uma nova forma de representação da moeda já emitida pela autoridade monetária que faz parte da política monetária do país. As criptomoedas estatais são criadas e destruídas apenas pelos bancos centrais e se tornam um passivo da Autoridade Monetária.

A principal diferença entre as criptomoedas e as moedas digitais é a ausência de um órgão regulador que as monitore (são descentralizadas). Todavia, a criação das criptomoedas teve como objetivo inicial, justamente,  possibilitar a troca de valores monetários sem necessidade de intermediários. A CBDC será uma versão digital da moeda fiduciária emitida pelo Banco Central, com as mesmas funções da moeda tradicional que, por ser centralizada, seria mais estável.

Criptomoedas (como o Bitcoin), por sua vez, são transacionadas por meio da plataforma de Blockchain e algumas características as distinguem: privacidade, descentralização, segurança. Além disso, a criptografia, com base em chaves ou algoritmos que criam uma sequência de caracteres para cada processo, protegendo as informações que circulam pela Internet. São intangíveis (sem forma física), sem valor intrínseco associado. Também, altamente voláteis, com comportamento de bolha e movimentos extremos de curto prazo. São controladas, intermediadas e garantidas pelos próprios usuários (seu valor é determinado pelo nível de confiança desses). E, por serem emitidas por entidades privadas, não sendo conversíveis, são muito instáveis.

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Questão ambiental

O debate entre criptomoedas e moedas digitais diz respeito, essencialmente, à questão da segurança das transações. Mas, também trata de uma preocupante questão ambiental, tendo em vista que a mineração das transações em criptomoedas consome muita energia. Assim, por consequência, elevam a emissão de carbono na atmosfera.

A China, que já foi responsável por mais de 75% da mineração de bitcoins no mundo, enfrenta, atualmente, uma grave escassez de energia. Isso afeta fábricas e milhões de famílias, e vem protagonizando, desde 2017, uma “guerra” contra as criptomoedas. As autoridades monetárias chinesas fecharam as plataformas nacionais de câmbio de criptomoedas. Em 2019, o Banco Popular da China, bloqueou o acesso aos sites que ofereciam criptomoedas. Em maio de 2021, bancos e serviços de pagamento foram proibidos de oferecerem a seus clientes qualquer transação em criptomoedas. E, em setembro, foram declaradas ilegais na China toda atividade relacionada às criptomoedas (transações, mineração e publicidade). As criptomoedas escapam aos rigorosos controles nacionais sobre o capital, facilitando crimes e lavagem de dinheiro.

Na China e no Brasil

O Banco Central chinês desenvolve a primeira moeda digital oficial de um país no mundo, a versão virtual do Yuan. Ela vem sendo testada em transações sem dinheiro vivo, controladas e rastreadas. Na fase inicial, 100 mil chineses foram chamados a experimentar a nova moeda, convivendo com o dinheiro físico em circulação. Na fase seguinte, a moeda digital foi distribuída pelos maiores bancos comerciais estatais do país. Essas instituições enviaram a moeda para bancos menores e empresas de aplicações como o WeChat (que une o WhatsApp com um instrumento de pagamentos online). O projeto já movimentou US$ 9,7 milhões em transações, sendo utilizado por 140 milhões de usuários. É o projeto de moeda digital de banco central mais avançado no mundo.

No Brasil, o BCB prevê iniciar os testes da moeda digital até o final de 2022. O Real Digital tende a facilitar e baratear a criação de contratos de empréstimos personalizados. Também, favorecer a integração com sistemas de pagamentos internacionais, permitindo que uma compra em outro país tenha conversão imediata. Mas, será necessário criar um novo ambiente financeiro, com garantia de segurança e proteção de dados dos consumidores, o que demandará muito tempo.


Vivian Machado é mestre em Economia Política pela PUC-SP e técnica do Dieese, na Subseção da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e colaboradora do Observatório Conjuscs

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