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O cartel está de volta e disposto a evitar queda no preço do petróleo

Dinâmica dos países produtores coloca para o Brasil o desafio de construir uma nova estratégia de inserção no mercado global de óleo e gás, para não ser um mero receptor das turbulências de preços

Saudi Aramco / Divulgação
Saudi Aramco / Divulgação
Arábia Saudita anunciou, no começo de abril, que ela e os países da OPEP reduziriam a oferta mundial de petróleo em cerca de 1 milhão de barris por dia

Em artigo publicado originalmente no Correio Braziliense e no Blog Terapia Política, e que será republicado na 26ª Carta de Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), tratei da questão do retorno do cartel do petróleo. Abaixo, uma síntese do artigo.

O anúncio pela Arábia Saudita, no começo de abril, de que ela e os países da Opep reduziriam a oferta mundial de petróleo em cerca de 1 milhão de barris por dia impactou diretamente os preços internacionais de petróleo e derivados. A medida foi seguida da reafirmação pela Rússia de que manteria seu corte de março, de 500 mil barris por dia, até o fim do ano. A iniciativa saudita não é uma novidade e, combinada com o anúncio russo, sinaliza claramente: o cartel está de volta e disposto a evitar a queda dos preços. Tais dinâmicas colocam para o Brasil o desafio de construir uma nova estratégia de inserção no mercado global de óleo e gás, para não ser um mero receptor das turbulências de preços do mercado global.

O anúncio saudita se seguiu a flutuações dos preços ocorridas no mês anterior. Primeiro, os mercados registraram uma queda nos preços de referência por avaliações negativas sobre o cenário internacional. A subida das taxas de juros, o agravamento da situação financeira  e instabilidades no sistema bancário ampliaram os temores de uma crise mais aguda e voltaram os fantasmas da crise de 2007/2008. A essas avaliações, se seguiu a intervenção dos bancos centrais sinalizando que buscariam evitar o acirramento da crise, o que começou a tranquilizar e mudar os humores dos mercados. O anúncio de que a China interromperia sua política de lockdowns sinalizou positivamente a respeito do futuro econômico. Essas avaliações sobre o cenário econômico impactaram os mercados internacionais de petróleo e derivados, e os preços recuperaram uma trajetória ascendente.

Fatores geopolíticos

O que a reação do cartel no começo de abril apontou é que os principais países produtores não estão dispostos a serem personagens sem protagonismo, deixando os preços guiados pela demanda. Cumpririam seu papel de tentar influir e determinar os preços. A combinação com a Rússia, que não é membro da Opep, também foi um sinal importante, já que o isolamento russo é uma política dos EUA neste momento. 

Outro fato geopolítico importante foi a distensão entre Irã e Arábia Saudita, sob o patrocínio da diplomacia chinesa. A Arábia Saudita tem sido um histórico pilar dos interesses estadunidenses em todo Oriente Médio, e a redução da tensão de suas relações com o Irã sinaliza uma possibilidade de mudança de ventos diplomáticos e políticos na região.

Segundo o Oil Market Report, de 13 de abril, a Arábia Saudita lidera a produção de petróleo entre os países da Opep com uma produção de cerca de 10,5 milhões de barris por dia. Entre os países de fora da organização, a Rússia se aproxima de 10 milhões de barris por dia. A produção brasileira, em fevereiro, foi de 3,3 milhões. Nos mercados de derivados (produtos refinados), os EUA lideram, mas a China vem crescendo rapidamente sua capacidade de refino. O Brasil é citado pela produção de etanol (biocombustível). Temos assim a produção de petróleo bruto e de refinados claramente cartelizadas, com grandes países representando parcelas expressivas da produção internacional.

E o Brasil com isto?

Bem, os movimentos recentes mostram que os principais produtores e consumidores vão tensionar e buscar influenciar os patamares dos preços do petróleo e seus derivados. O Brasil é um importante produtor, mas com uma participação pequena, embora crescente, no mercado global, e que não tem condições de influenciar os preços internacionais. Os movimentos, entretanto, mostram o caráter estratégico do petróleo e dinâmicas geopolíticas globais, mesmo com o avanço no desenvolvimento de fontes renováveis. Sem dúvida, as disputas sobre o preço continuarão no centro da agenda.

Além disso,  o Brasil, hoje, tem uma política de preços internos para os derivados bastante passiva, que expõe os consumidores nacionais às flutuações no mercado internacional. Revisar essa política é necessário e urgente. Outro elemento central nesse debate é a política de longo prazo do país para o seu parque de refino. Haverá expansão da capacidade de refino ou não? Vale lembrar que os investimentos nesse segmento são de longa maturação, o que reforça, mais uma vez, a urgência de uma política estratégica assertiva para enfrentar a atual grande dependência brasileira de importação de alguns derivados, apesar de sua auto-suficiência na produção.

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Os movimentos do mercado internacional de petróleo e derivados nos alertam, mais uma vez, que está mais do que na hora de tomar a política de preços e produção neste setor como uma variável estratégica para o desenvolvimento nacional, o abastecimento interno e a segurança energética brasileira no curto, médio e longo prazos. É preciso fortalecer uma política setorial que pense para além dos movimentos de curto prazo e que associe a política de preços, abastecimento, exportação (de petróleo) e importação (de derivados) à agenda da transição energética. Afinal, quem não tem uma estratégia é parte da estratégia de alguém.


 Adhemar S. MineiroEconomista, pesquisador do INEEP – Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.


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