Desenvolvimento em foco

Arranjo Produtivo Local de Defesa e Segurança do ABC: um modelo para o Brasil

A curta, porém dinâmica, experiência do ABC, pode se constituir em um programa de governo em outras regiões do país

Divulgação/Saab
Divulgação/Saab
São Bernardo apoiou criação do Centro de Pesquisa e Inovação Sueco-Brasileiro em 2011. O objetivo: atrair uma fábrica de produção de aeroestruturas ligada à aeronave supersônica, cuja escolha foi o projeto sueco Gripen

O objetivo deste artigo é sugerir que a experiência do Arranjo Produtivo Local (APL) de Defesa e Segurança do Grande ABC, vivenciada entre 2013 e 2015, deveria ser replicada em outras regiões do Brasil, por meio do Ministério da Defesa, do Ministério do Desenvolvimento e das Forças Armadas, juntamente com as lideranças empresariais e sociais de cada região em questão.

Isso contribuiria para a expansão da base industrial de defesa. Ao mesmo tempo, tornaria esse programa um dos pontos importantes de diálogo entre a nova gestão do governo federal e os militares. Este texto reproduz, com ajustes, artigo publicado na Teoria e Debate, da Fundação Perseu Abramo, e nota técnica publicada pelo autor na 25ª Carta de Conjuntura da USCS, a Universidade Municipal de São Caetano do Sul.

Contextualização

A nova gestão do presidente Lula, que assumiu em janeiro de 2023, enfrenta inúmeros e gigantescos desafios. A redescoberta do diálogo social em um país politicamente   dividido; a volta do respeito às instituições; o retorno da credibilidade do Brasil nas relações internacionais; a retomada da atividade econômica, com a expansão da produção e a geração de empregos; a reconstrução de programas e ações sociais que enfrentem desafios estruturais na saúde, educação, meio ambiente, cultura, redução de desigualdades sociais e regionais, entre outros desafios essenciais para o desenvolvimento.

Para cumprir seus compromissos de campanha, diante da herança de retrocessos sociais deixados pela gestão anterior, é fundamental a construção de pontes de diálogo com segmentos que, na campanha eleitoral, estiveram mais próximos do candidato derrotado, o ex-presidente Bolsonaro.

Entre estes segmentos estão o agronegócios, as comunidades evangélicas, os pequenos empreendedores, o empresariado industrial, o mercado financeiro e parte expressiva dos militares.

As razões da relativa animosidade com os Governos democrático-populares que aflorou em parte expressiva dos militares, nos diferentes níveis de comando, conforme apontam várias entrevistas e depoimentos de lideranças militares, especialmente a partir do processo de impeachment de Dilma Roussef, merece pesquisas abrangentes sobre as causas do fenômeno. Os acampamentos de seguidores de Bolsonaro em frente aos quartéis, por longo período, desde a derrota eleitoral; a ausência de alguns comandantes em passagens de comando ocorridas neste novo governo; e a demissão do comandante do Exército, vinte e um dias após a posse do novo Presidente, são evidências claras desta problemática relação.

É importante que o governo busque encontrar pontos de convergência com as Forças Armadas e os militares em geral. A visão nacionalista, desenvolvimentista e a favor do planejamento por parte dos militares permite por si só uma perspectiva de aproximação com o novo governo.

Entretanto, a intenção aqui é tão-somente sugerir que se replique em outras regiões do país a experiência verificada no Grande ABC, entre 2013 e 2015, do APL de Defesa. A ação é parte da estratégia de adensamento da base industrial de defesa do Brasil. Desse modo, pode ser um ponto importante de diálogo entre a nova gestão do Federal e o segmento militar.

O APL de Defesa do Grande ABC

Criado em 2013, o APL de Defesa tinha como finalidade adensar a cadeia produtiva de defesa no Grande ABC, abrindo oportunidades de reconversão e diversificação de mercados do parque industrial da região, bem como atrair novos investimentos. As reuniões do APL costumavam contar com cerca de 60 empresas, além de sindicatos, universidades e entidades como Sebrae e Senai. Era frequente a presença de representantes das Forças Armadas.

A criação do APL de Defesa no ABC se deu após uma sequência de eventos na área realizados pela prefeitura de São Bernardo do Campo a partir das viagens do então prefeito Luiz Marinho à Suécia e à França em 2010, na esteira das ações da gestão municipal para, no âmbito do processo de licitação internacional do governo do Brasil, atrair uma fábrica de produção de aeroestruturas ligada à aeronave supersônica, cuja escolha, em 2013, foi o projeto sueco Gripen.

Estratégia de adensamento da base industrial de defesa

Entre 2010 e 2011, realizaram-se workshops com a Saab e o Consórcio Rafale. A prefeitura de São Bernardo deu apoio à criação do Centro de Pesquisa e Inovação Sueco-Brasileiro (Cisb), em maio de 2011. Foram realizados:

  • o seminário “Oportunidades da indústria de defesa e segurança para o Brasil e a região do ABC” com os presidentes do BNDES e da Finep, entidades empresariais da área, o Ministério da Defesa e autoridades militares, empresários, sindicalistas, gestores e pesquisadores universitários, em dezembro de 2011;
  • a passagem de questionário da Boeing Company entre cerca de 100 empresas do setor no ABC, culminando com a integração de duas delas à rede mundial de suprimentos daquela empresa;
  • a realização de palestra do diretor de produtos de defesa do Ministério da Defesa sobre catalogação no início de 2012;
  • no mesmo ano, a inclusão do setor de defesa no estatuto da Associação Parque Tecnológico de SBC, como um dos seus principais eixos de trabalho;
  • a realização de conferências das Forças Armadas, para apresentar suas demandas de produtos e serviços ao empresariado do Grande ABC.

A “Carta do APL de defesa do Grande ABC em prol do incremento de sua participação na base industrial de defesa do Brasil” foi discutida no APL e apresentada às Forças Armadas. Um dos momentos dessa apresentação foi a visita do prefeito ao Comando da Marinha, no Rio de Janeiro, em junho de 2013.

Além de apresentar a carta citada, foram tratados diversos assuntos, com destaque para a proposta de identificar as peças e componentes de uma embarcação, para levantamento das empresas da região capacitadas a produzi-las em condições competitivas. Em seguida, a Marinha se prontificou a apoiar a catalogação e homologação dessas empresas, para que pudessem participar dos processos licitatórios que poderiam ser realizados.

A necessidade de se reduzir a animosidade na relação do novo governo com parcela expressiva dos militares e a urgência da modernização e reaparelhamento das Forças Armadas brasileiras contribuem para que aqui se apresente ao novo governo a proposta da constituição de APLs de Defesa como o do ABC em diferentes cidades do país, alinhados com a estratégia de adensamento da base industrial de defesa.

A curta (2013-2015), porém dinâmica experiência do APL de Defesa do ABC, pode se constituir em um Programa de Governo, que é o de replicar (com ajustes a cada caso, é claro) a experiência do APL do  ABC em outras regiões do país. Este programa deve ser conduzido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços juntamente com o Ministério da Defesa, as Forças Armadas, as lideranças empresariais e sociais de cada região em questão. Além de colaborar para o alcance dos objetivos em si do adensamento da base industrial de defesa do País, este Programa contribuiria também para uma aproximação, diálogo e execução de um interesse comum entre a nova gestão do Presidente Lula e os militares.


Jefferson José da Conceição é economista e professor dr. coordenador do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo, Inovação e Conjuntura da Uscs (Conjuscs) e atual vice-oresidente do Conselho de Administração da Fundação de Apoio à Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico de SBC entre 2009 e 2015. Autor do livro Entre a mão Invisível e o leviatã: contribuições heterodoxas à economia brasileira (Didakt/USCS, 2019); coautor de A Cidade Desenvolvimentista: crescimento e diálogo social em SBC 2009-2015 (Fundação Perseu Abramo, 2015); e coorganizador de A era digital e o trabalho bancário (Coopacesso, 2020).
Blog: http://blogjeffdac.blogspot.com/

Artigos desta seção não necessariamente expressam opinião da RBA