Desenvolvimento em foco

Pejotização: opção em tempo de crise ou precarização?

A pessoa física que presta serviços como PJ não faz jus aos direitos trabalhistas. Portanto, entende-se que há uma precarização do trabalho. Mas é opção de formalização em tempos de escassez de oferta

Pixabay
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Pejotização, termo frequentemente utilizado no mercado de trabalho, é um modelo de contratação de pessoas físicas como pessoas jurídicas. E que ganhou mais espaço sobretudo devido à lei 13.467/2017, conhecida como a reforma trabalhista, cujo intuito é o de flexibilizar as relações entre empregadores e empregados. A reforma trouxe alterações na remuneração, no plano de carreira, na jornada de trabalho, na forma de contratação e sobretudo nos direitos trabalhistas. O tema da pejotização do mercado de trabalho foi objeto de nota técnica que publiquei na 24ª Carta de Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Uscs)

Em relação aos direitos trabalhistas, vale ressaltar que em 1º de maio de 1941, foi instituída a Justiça do Trabalho, para conciliar e julgar ações judiciais e demais questões controversas oriundas das relações entre trabalhadores e empregadores.

Neste sentido, como necessidade constitucional foi implementada a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, criada pelo Decreto 5.452 de 1º de maio de 1943, sancionada pelo Presidente Getúlio Vargas. O intuito da CLT foi unificar as leis trabalhistas então vigentes no país e instituir os direitos trabalhistas. A CLT em seu artigo 3º, parágrafo único preconiza que: “não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalho, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.”

Os principais direitos trabalhistas constantes na CLT

Jornada de trabalhoNão deve ser superior a 8 horas diárias e 44 semanais.
Hora extraNão há obrigatoriedade do trabalhador fazer horas extras, contudo, quando ocorrer, terá adicional de 50% sobre a hora normal.
Intervalos para descansoIntervalos entre uma jornada e outra, e intrajornada (pausas dentro da jornada).
FGTSEmpresa deposita 8% sobre remuneração.
13º salárioInstituído em 1962, pago em duas parcelas.
FériasA cada 12 meses trabalhados, trabalhador recebe salário acrescido de 1/3.
Licença maternidade e paternidadeLicença maternidade de 120 dias e 5 dias para licença paternidade. Se a empresa integrar Programa Empresa Cidadã, maternidade será de 180 dias e paternidade de 20.
Seguro-desempregoTrabalhadores dispensados sem justa causa recebem de 3 a 5 parcelas (depende do tempo trabalhado), a média é calculada com base nas 3 últimas remunerações.
Vale-transporteGastos com transporte público são divididos. Cabe ao empregador o custo equivalente ao que exceder 6% do salário básico do empregado. Será descontado do empregado 6%.
Adicional de insalubridade e periculosidadeInsalubridade representa um risco gradual à saúde, a periculosidade é um risco imediato à saúde. O adicional de insalubridade é de 10% a 40% do salário mínimo, e de periculosidade 30%.
Aviso prévio Quando o trabalhador pede demissão cumpre 30 dias da sua jornada integral, podendo o empregador dispensar da obrigação. Se a demissão parte do empregador sem justa causa, ele pagará 30 dias fixos acrescido de 3 dias para cada ano trabalhado.
Dispensa da prestação se serviço em situações especiais sem prejuízo salarialCasamento, falecimento de pessoa próxima da família, convocação para participar nas eleições como mesário.
Descanso semanal remunerado O trabalhador tem 1 dia de descanso semanal remunerado, quando o contrato prevê 6 dias semanais; e para quem trabalha 5 dias na semana o descanso remunerado é de 2.

Opção ou falta de

A pessoa física que presta serviços como PJ não faz jus aos direitos trabalhistas elencados e, portanto, entende-se que há uma precarização do trabalho. Contudo, há de se mencionar que o cenário do mercado de trabalho, a globalização e as inovações tecnológicas são causas de tal precarização, visto que há excesso de demanda por vagas de emprego e baixa oferta de postos de trabalhos, em decorrência da baixa produção, altas taxas de juros, estagnação da economia internacional e incertezas econômicas e políticas internas.

A despeito de o número de pessoas desempregadas apresentar queda, a taxa atual é de 8,7%, que corresponde a 9,5 milhões de desempregados. Soma-se a este número 4,3 milhões de desalentados. É fácil inferir que a contratação de pessoas físicas como PJ tende a crescer. Até maio de 2022, houve a inserção de 2,2 milhões de novos contratos PJ no mercado de trabalho.    

A pejotização acaba sendo uma opção para os trabalhadores, pois com a prestação dos seus serviços asseguram atendimento das necessidades individuais e familiares, mesmo renunciando aos direitos trabalhistas. Para os empregadores, é uma opção, pois estão isentos dos encargos sociais e trabalhistas.

Os encargos trabalhistas e sociais representam percentual elevado sobre a folha de pagamento. Desta forma representam custos que as empresas precisam considerar nas contratações dos seus empregados. A contratação de pessoas físicas como PJ é uma “economia” que pode viabilizar os resultados financeiros.

Contudo, o não recolhimento de encargos leva à baixa arrecadação tributária, podendo impactar negativamente nos futuros pagamentos dos benefícios sociais, sobretudo as aposentadorias. Por exemplo, dados extraídos do Ministério da Economia (2022) mostram que de janeiro a maio de 2022 o déficit da Previdência Social era de R$ 128,4 bilhões.


Nota do editor RBA
Além disso, profissionais que optam pela pejotização, em geral, arcam com seus próprios encargos, reduzindo o impacto de seu aparente “ganho maior”. Por exemplo, um PJ de microempresa (ME), que emite uma nota de R$ 10 mil, tem desepesa de pelo menos 4,5% no documento de arrecadação (DAS Simples). Mas ainda deve considerar gastos com Imposto de Renda da Pessoa Física, honorário de contador. E também o recolhimento previdenciário (necessário para contar tempo de contribuição e ter acesso a benefícios como auxílio doença).
Já um micro empreendedor individual (MEI) terá um encargo mensal fixo com o DAS de R$ 67 (se comércio ou indústria); R$ 71 (prestadores de serviços); ou R$ 72 (comércio e serviços). Desse modo, tem direito a eventuais emergências, como auxílio doença, mas não a aposentadoria por tempo de contribuição – apenas por idade (65 anos, com mínimo de 20 de contribuição).

Conclusão

Afinal, quais são os pontos positivos e negativos da pejotização no mercado de trabalho?

  • Pontos positivos: para os trabalhadores é a possibilidade de estar atuantes no mercado de trabalho, a necessidade de buscar capacitação e atualização constantes, participar de realidades organizacionais distintas e possibilidade de prestar serviços a várias organizações simultaneamente (quando o contrato permitir). Para as empresas, é inegável a economia em decorrência da não incidência dos encargos sociais e trabalhistas, o não pagamento de horas extras e a possibilidade de contratações das pessoas consideradas mais qualificadas devido à grande oferta de mão de obra.
  • Pontos negativos: para os trabalhadores, é a falta dos direitos trabalhistas (férias, 13º salário, descanso semanal remunerado etc.), excesso da carga horária para a entrega dos serviços, insegurança em relação ao futuro, a impossibilidade de traçar um plano de carreira, por vezes as contratações ocorrem por prazo determinado, em caso de demissão o não recebimento do FGTS e seguro-desemprego, pagamento da previdência oficial com recursos próprios sem a participação da empresa, são alguns dos pontos negativos. Já para as organizações, talvez seja o fato de o PJ não estar amplamente adaptado à cultura organizacional, a não exclusividade do trabalhador PJ, possíveis reclamações trabalhistas, são alguns dos pontos a serem considerados. 

Enfim, cabe aos trabalhadores e empregadores a análise das necessidades prioritárias para a tomada de decisão em contratar ou ser contratado como pessoa jurídica. 


Antonio Aparecido de Carvalho é doutor em Administração, mestre em Administração, Comunicação e Educação, com MBA em Marketing e em Gestão e Inovação do Ensino a Distância. Especialista em Finanças e Direito Educacional e coordenador e professor do curso de Administração da Faculdade São Bernardo (Fasb)

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