Desenvolvimento em foco

Atuação dos bancários na campanha salarial mostra importância de categoria organizada

Em meio à inflação e à precarização do trabalho, acordo mantém conquistas alcançadas em 30 anos de convenções coletivas nacionais. Com negociações dificultadas pelos setores patronais, é fundamental ter sindicatos fortes

Contraf-CUT
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Bancada dos trabalhadores em rodada de negociação: desafios da economia e dificuldades colocadas pelas diretorias dos bancos

A Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) completou 30 anos em 2022. Mas no lugar de comemorações os bancos impuseram muita dificuldade no decorrer das negociações da campanha nacional dos bancários. Isso em um período com cenário econômico complicado para o país, com o retorno de elevada inflação, informalidade e desemprego em alta. Mas com os lucros dos bancos nas alturas. A íntegra desse estudo deverá compor futura Carta de Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs), que estará disponível em: www.uscs.edu.br/noticias/cartasconjuscs.

A campanha dos bancários, em 2022, começou com a aplicação de consulta nacional, que com mais de 35 respostas definiu as prioridades da campanha. A novidade dessa negociação foi a reivindicação pela jornada de quatro dias, sem redução de salários. Proposta que traria vantagens em termos de geração de empregos e maior produtividade com melhor qualidade de vida dos trabalhadores. O representante da Fenaban ficou de levar o tema para os bancos avaliarem, porém, no decorrer das reuniões seguintes não trouxe resposta.

Com o fim da ultratividade definida pela reforma trabalhista, após 31 de agosto a CCT perderia sua validade. Assim, direitos conquistados em 30 anos de negociação coletiva não estariam garantidos. Por essa razão, nos anos em que se faz necessário renovar a CCT (a cada dois anos, desde o fechamento do acordo de 2016), todo calendário da campanha nacional dos bancários é adiantado para dar início às negociações o quanto antes. Os formatos on-line e híbrido permitem que os eventos da campanha ocorram muito mais ágil. A pauta de reivindicações foi entregue aos bancos em 15 de junho.

Dezenova rodadas

A construção da CCT 2022/2024 se deu ao longo de 19 longas e difíceis rodadas de negociação. O novo acordo, assinado em 2 de setembro, teve aprovação aprovado em assembleias por todo o país. As rodadas tiveram início por mesas temáticas, conforme calendário previamente estabelecido na primeira rodada, em 22 de junho. Pela ordem: emprego e terceirização; igualdade de oportunidades; cláusulas sociais e teletrabalho; e cláusulas sociais e segurança bancária.

Para agosto ficaram as mesas de saúde e condições de trabalho e a duas rodadas para discutirem as cláusulas econômicas. Depois disso, outras nove reuniões ficaram previamente marcadas. O objetivo foi esgotar os temas das primeiras mesas até se chegar na proposta final para a categoria, terminando em 26 de agosto. Como não se chegou a um consenso, novas rodadas ocorreram entre 29 e 31 de agosto.

As negociações se deram em um contexto de grandes transformações no Sistema Financeiro Nacional (SFN), com redução absoluta do número de trabalhadores; mudança na pirâmide ocupacional da categoria bancária, impulsionada pela crescente digitalização das transações e redução dos cargos tradicionais do atendimento bancário de caixas e escriturários e o aumento da contratação de trabalhadores de TI.

campanha bancários
Pauta da campanha nacional dos bancários resultou de consulta com mais de 35 mil respostas da categoria

Teletrabalho

O crescimento do teletrabalho é outra transformação que se observa nos bancos, intensificada durante a pandemia e que deve permanecer para boa parte dos bancários, tornando-se pauta da categoria a sua regulamentação, especialmente quanto ao controle de jornada; direito a desconexão e ajuda de custos, entre outros.

Apenas na 12ª rodada de negociação (em 19/08), a Fenaban apresentou a primeira proposta de índice que foi rejeitada na mesa mesmo: 65% do INPC, naquele momento previsto em 8,95%. Ou seja, uma correção nos salários e demais verbais de 5,82%. Na 13ª rodada, propuseram 81% do INPC (ou 7,19%) nos vales, cobrindo apenas 43% da inflação dos alimentos que estava altíssima naquele momento (em 15,37%). E as propostas seguiram se arrastando por dias e subindo aos décimos, seja nos salários, PLR ou nos vales (VA e VR).

Enquanto os bancos negavam um reajuste decente para os trabalhadores, suas diretorias executivas embolsariam em 2022 um montante em torno de R$ 8 milhões, cada diretor em média, de acordo com dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com alta de 11% em relação ao recebido em 2021 e correspondendo a 132 vezes a remuneração anual de um escriturário, incluindo salário, 13º, férias, tickets e PLR.  

Na 15ª rodada os bancos trataram da PLR, seguindo a estratégia de proposta rebaixada e retirada de direitos: 6,73% nos tetos e valores fixos da PLR, o que correspondia a 75,7% do INPC previsto, com perda estimada de 1,97%. Além disso, os bancos propuseram, também, retirar a cláusula de não compensação dos programas próprios na parcela adicional da PLR. Ou seja, o pagamento resultante desses programas poderia ser abatido do valor da parcela adicional da PLR. Fenaban só recuou sobre esse item na 17ª rodada em 26 de agosto.

Distribuição de PLR

Vale destacar que, nos maiores bancos do país, a cada ano, a distribuição da PLR corresponde a um percentual menor dos seus lucros, de tanto que estes cresceram nos últimos anos. Quando, em 1995, a PLR passou a fazer parte na CCT, os três grandes bancos privados (Itaú Unibanco, Bradesco e Santander) distribuíam cerca de 14% dos seus lucros. Todavia, em 2021, essa distribuição correspondeu a, apenas, 6,6% de seus lucros. Já no caso da parcela adicional, que prevê distribuição de 2,2% do lucro, os três bancos distribuíram em torno de 1,6% nos últimos anos. Isso se deve, também, a problemas com as regras do programa, que precisa ser revisto.      

Somente em 26 de agosto os bancos apresentaram nova proposta de reajuste para os salários (75,8% do INPC, portanto, com 2% de perda salarial). Essa proposta foi rejeitada por 97% dos bancários participantes das assembleias online ocorridas naquela mesma noite.

Retomada da indústria no país é um desafio que se junta à inclusão e integração regional

As duas últimas rodadas foram ainda mais longas e estressantes, varando duas noites. A proposta final para um acordo de dois anos foi: em 2022, aumento de 10% nos vales alimentação e refeição (VA e VR) e abono de R$ 1.000,00 na forma de uma 14ª cesta alimentação, a ser pago até outubro; reajuste de 13% na parcela adicional da PLR, com correção pelo INPC da data-base (8,83%) nos demais valores fixos e tetos da PLR, além do reajuste de 8% nos salários e nas demais verbas (91% do INPC da data-base). Para 2023, a proposta prevê INPC mais aumento real de 0,5% para salários e demais cláusulas econômicas da CCT da categoria.

Em uma conjuntura tão adversa como a de 2022, os bancários mais uma vez, mostraram resistência e preparo. A proposta aprovada manteve conquistas dos anos anteriores com reajuste para 2022 e 2023. Todavia foi uma negociação muito difícil e, pode-se dizer que os bancos saíram ganhando, no sentido de terem, mais uma vez, oferecido reajuste salarial menor que a inflação no primeiro ano do acordo, como aconteceu em 2016 e 2020.

Governo contra as negociações

Esse resultado demonstra, entre outros fatores, o peso do Governo pressionando contra essas negociações, tendo em vista que dos cinco grandes bancos presentes na mesa, dois são públicos (Banco do Brasil e Caixa) e com grande peso em termos de número de trabalhadores. As duas instituições, de acordo com seus balanços, tinham mais de 86 mil trabalhadores em suas holdings ao final de junho de 2022, cada uma.      

Ainda que tenha sido muito difícil e não se tenha atingido os objetivos esperados com a campanha deste ano, quando se avaliam os impactos de uma negociação como a dos bancários, que somente em 2022 injetará R$ 12 bilhões na economia nacional, é inegável o quanto é importante ter instituições de trabalhadores organizadas contribuindo para o crescimento do país.

Todavia, é importante também que se tenha um Estado que valorize e proteja os trabalhadores, que resgate os direitos perdidos com a reforma trabalhista que tanto prejudicou a sociedade e a economia como um todo, gerando somente informalidade, empregos precários e derrubando a renda, num momento em que a economia está cada dia mais prejudicada pelos altos índices inflacionários.


Vivian Machado – Economista, mestre em Economia Política (PUC-SP). Atualmente, técnica do Dieese, assessorando a subseção da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e pesquisadora colaboradora do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs)