O discurso de Obama, a direita e a esquerda

Barack Obama, durante discurso ‘inovador’ na Casa Branca: surpresas à direita e à esquerda (©Jason Reed/Reuters) Houve uma certa euforia nos governos inglês e alemão, e na direção da União […]

Barack Obama, durante discurso ‘inovador’ na Casa Branca: surpresas à direita e à esquerda (©Jason Reed/Reuters)

Houve uma certa euforia nos governos inglês e alemão, e na direção da União Europeia (UE) com o discurso feito no início da semana pelo presidente Obama perante o Congresso, uma fala anual conhecida pelo nome de “State of the Union”.

A euforia – não compartilhada, pelo menos com o mesmo entusiasmo, pelo presidente francês – se deveu a uma linha do discurso, em que Obama aventava a possibilidade de retomar o diálogo para a criação de uma zona de livre comércio entre os EUA. e a UE.

Seria a maior zona de livre comércio do mundo, e a previsão dos entusiastas do acordo de ambos os lados do Atlântico são de que que ele potenciaria o comércio que, atualmente, já é responsável por 15 milhões de empregos e mobiliza 50% das exportações, em ambos os sentidos.

Leituras de esquerda também privilegiaram esta linha do discurso, mas em sentido contrário. Essa zona de livre comércio significaria necessariamente a pulverização de mais direitos de trabalhadores, nos moldes dos “planos de austeridade” que vêm devastando as sociedades europeias, além de promover a circulação desregrada de capitais e outras prebendas financeiras.

É claro que tudo isso, de ambos os lados do espectro analítico, ainda navega no terreno movediço das expectativas. Os obstáculos a remover são gigantescos. Por exemplo, a reação mais comedida do presidente François Hollande se deve ao fato de ele certamente não ver com bons olhos a possibilidade de mexer nos subsídios agrícolas de seu país, ou no financiamento ao setor por parte da UE.

Além disso os acertos necessários quanto à indústria automotiva, à produção e comercialização de brinquedos, e ao uso de transgênicos na produção de alimentos (favorecido nos EUA e proibido ou limitado em vários países da UE) são também complicados, só para citar alguns exemplos.

Essa linha do discurso de Obama provocou, entretanto, uma curiosa incapacidade de visualizar o restante de sua fala, também de ambos os lados do espectro analítico. Um Obama mais agressivo e mais afirmativo apareceu, provocando uma reação curiosa: enquanto os democratas aplaudiam de pé trechos da fala, os republicanos permaneciam sentados, como estátuas de gelo.

Vários dos pontos levantados pelo presidente norte-americano colidiam de frente com o que os republicanos pregam e vem sendo posto em prática na Europa. Obama falou em investimentos públicos pesados em escolas e na educação, em infra-estrutura (pontes, óleo e gasodutos e modernização dos portos). Além disso privilegiou a criação de empregos como mola-mestra da economia e saída para o atual impasse das crises financeiras e – supremo horror! – defendeu a elevação do salário mínimo federal para 9 dólares a hora.

Falou ainda sobre o abrandamento das leis draconianas sobre imigração (defendidas por partidos de direita e extrema-direita na Europa e pelos republicanos também), sobre tratamento igualitário aos gays perante a lei, destacou a necessidade de proteção das mulheres contra a violência, inclusive a doméstica, e – novo horror! – voltou a defender a necessidade de limitar o comércio de armas e munições.

Sublinhou também a necessidade de enfrentar a questão das mudanças climáticas (negada por Mitt Romney quando candidato, pelo menos como resultado da ação humana), “encontrando soluções de mercado para ela”.

Tudo isso passou batido pelas reações da banca e dos governos conservadores da Europa e também pelas análises e observações de muita gente de esquerda.

O que prova que de fato, às vezes os extremos podem se encontrar.