A tragédia americana. Ou a república do ketchup

Shawn Thew / Efe Senadores democratas tentam campanha pública para desmoralizar investida republicana contra governo Obama A batalha dos republicanos estilo Tea Party no Congresso norte-americano tem dois lados complementares. […]

Shawn Thew / Efe

Senadores democratas tentam campanha pública para desmoralizar investida republicana contra governo Obama

A batalha dos republicanos estilo Tea Party no Congresso norte-americano tem dois lados complementares. De um lado exibe a tragédia norte-americana: 48 milhões de cidadãos sem acesso a qualquer seguridade de saúde. São 15% da população do país. Um pouco menos de 25% da população brasileira. A maioria daqueles 15% é pobre, negra, ou de origem hispânica, e se concentra em estados muitas vezes dominados pelos republicanos.

Anteriormente houve quem sugerisse a este blog, e em termos não muito educados, que Obama, ao invés de criar um novo sistema público, deveria se concentrar em estender os atuais sistemas – o Medicaid, por exemplo, a esta população. Ocorre que pela lei a extensão do Medicaid deve ser aprovada pelos estados, e todos os estados governados por republicanos (26) se negaram a estender o programa.

Do outro lado existe uma farsa de péssimo gosto. Os republicanos radicais em grande parte estão simplesmente jogando para a sua torcida. Apresentam-se como “feridos” pela “agressividade” do governo, que “se recusa a negociar”, como se eles quisessem negociar alguma coisa, ao invés de simplesmente destruir o chamado Obacamacare, nome popular do Affordable care act, que cria o novo programa. Daí passam ketchup nas roupas e na retórica, simulando sangramento, para se apresentarem como “vítimas”, ou defensores das “vítimas” da “fúria estatista” do presidente.

Um teatrinho de terceira categoria, mas com efeitos de primeira grandeza na tragédia acima descrita. Em primeiro lugar, porque arrisca piorar a situação das verdadeiras vítimas de tudo: aquela população desassistida. Em segundo lugar, porque reafirma entre o populacho riquinho ou abonado que acredita na farsa a sanha antissolidária como princípio “ético” e “salutar”. (Ainda de quebra, num comentário lateral, atiça, como li de um colunista da velha mídia, a afirmação de que o problema é que Obama, assim como a nossa presidenta, “não sabe negociar”).

O comentário de um jornalista alemão  – Gregor Peter Schmitz, na Der Spiegel – chamou a atenção para um aspecto interessante, e sobretudo para o público brasileiro, no momento em que se discute entre nós a possibilidade de uma reforma política. Chamando os radicais republicanos de “uma horda de Berlusconis”, ele responsabiliza o sistema de funcionamento privado das campanhas eleitorais pela abertura deste tipo de comportamento na política norte-americana.

Ou seja, o representante atua em função de manter não só os seus eleitores coesos, mas – e principalmente – em função de manter os seus financiadores coesos em torno de seu mandato. Comparativamente, diz ele, isto seria impossível no sistema alemão, de financiamento público das campanhas eleitorais.

A pensar.