Na Rússia, Putin ganhou e perdeu, perdeu e ganhou

Na velha Rússia, Vladimir Putin ganhou mais uma eleição. E perdeu a mesma eleição. Seu partido, o “Rússia Unida”, ficou com 50% dos votos, mais ou menos, mas bem menos […]

Na velha Rússia, Vladimir Putin ganhou mais uma eleição. E perdeu a mesma eleição. Seu partido, o “Rússia Unida”, ficou com 50% dos votos, mais ou menos, mas bem menos da folgada maioria que conseguira na eleição anterior, em 2007. Isso quer dizer que Putin vai continuar sendo o homem forte em Moscou, com sua sombra Dmitri Medvedev a secunda-lo. Isso quer dizer muito.

Mas quer dizer pouco: um  “homem forte” sair enfraquecido não é uma boa alternativa. O Partido Comunista saiu fortalecido, menos por seu desempenho (20%, o que é um resultado bom, mas insuficiente para contestar Putin) do que pelo enfraquecimento do ex-camarada Vladimir. O “Rússia Justa”, com a bandeira da anti-corrupção, saiu com 14% e a extrema-direita ficou com cerca de 12%. Os Liberais, que teriam a confiança do Ocidente, ao que parece, não conseguirão atingir a cláusula de barreira: 7%. Ficarão fora da Duma, a Câmera dos Deputados.

O tratamento que a maioria da mídia do Ocidente dá à eleição só fala em corrupção e manipulação. Houve comentários desabonadores do comparecimento de 60%, esquecendo que, em termos europeus, esse é um número relevante.

 O buraco é mais embaixo.

Egresso da KGB, o ex-camarada Putin assumiu um país destruído por Boris Yeltsin e seu neoliberalismo. As privatizações desarvoradas jogaram a Rússia no buraco, dominada por oligarcas enriquecidos da noite para o dia, em geral egressos da burocracia partidária comunista, “donos” de máfias gigantescas.

Ao se insurgir contra essas máfias e contra esses oligarcas, restabelecendo o poder e a organização do Estado, Putin galvanizou o velho nacionalismo russo adormecido sob a retórica comunista. Com seu estilo czarista de governar restabeleceu laços com a “Rússia profunda”, com a qual nem Stalin rompeu: ao contrário, se aproveitou. E com isso conquistou espaço eleitoral. Putin já foi mais, mas ainda é popular.

Conviveu com a corrupção no aparelho de Estado, herdeira da burocracia anterior. Criou uma nova dominação autocrática, espelhada no controle – a qualquer preço – das urnas. Nada de novo da Rússia, convenhamos. Ao mesmo tempo começou a reerguer a Rússia diante da invasão de seus domínios anteriores pela União Europeia, na frente política, e pela OTAN, na militar. Ensaiou construir novas alianças, dentro dos BRICS e em outras frentes, com a Venezuela, por exemplo. Atualmente, é uma das poucas barreiras efetivas contra uma ação militar do Ocidente no Irã, através ou não de Israel. Não é pouco.

Putin é uma figura incômoda para o Ocidente. Mas, parece, terão de engolir o incômodo ainda durante alguns anos mais.

Por outro lado, é de se perguntar o que se passa na Rússia, mais a fundo que a mídia do Ocidente deixa ver. (Tentar ver algo na mídia russa é uma proeza, e não apenas por causa do alfabeto cirílico).

Uma hipótese é a de que a própria ação de Putin, ao combater os oligarcas, tenha favorecido a emergência política de uma classe média que começa a demonstrar cansaço de seu estilo personalista, autocrático, da centralização do poder nas mãos de remanescentes ou descendentes das antigas burocracias e que agora quer disputar espaço. Ainda mais que a política de Putin, se afrontou os oligarcas, não diminuiu o fosso que se alarga no país em termos de repartição da renda.

Pode ser. Mas as alternativas a seu poderio ainda estão pulverizadas, sem uma liderança que as galvanize. Putin ganhou a eleição, perdeu votos. Perdeu força, mas ganhou tempo.

Por isso, o ex-camarada Putin ainda deverá permanecer no poder por bastante tempo.

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