Hitler na cama

Campanha anti-Aids gera furor e fúria ao apresentar cenas de sexo com efígies de Adolf Hitler, Saddam Hussein e Josef Stalin

“Aids é um assassino em massa”, estampa polêmico cartaz de campanha voltada à prevenção da doença (Foto: Montagem/Rede Brasil Atual)

Furor e fúria: é o que vem provocando, antes de seu lançamento oficial, uma campanha anti-Aids projetada pela associação alemã Regenbogen (Arco-íris) e pela agência de publicidade Das Comitee, de Hamburgo. A peça central da campanha, a ser lançada na TV em 1º de dezembro próximo, é um vídeo com cenas de sexo. Entre variantes de posições, penumbras e gemidos de prazer, uma mulher faz sexo com um homem. Ao final, desvenda-se o rosto masculino: uma imitação, um tanto grosseira por sinal, de Adolf Hitler, com um olhar sádico. Aparece a frase, em vermelho: “Aids é um assassino em massa”. Depois: “Proteja-se”. Acompanharão a campanha cartazes com cenas e dizeres semelhantes, em que mulheres fazem sexo com efígies de Saddam Hussein e Josef Stalin. Haverá também uma cena em que aparecerá a voz de Josef Goebbels, o planejador da propaganda nazista, gravada para uma transmissão de rádio. Passagens da campanha já estão disponíveis no You Tube.

Ironicamente, pode-se perguntar (o que não implica concordância com a campanha): por que só aquelas três máscaras – Hitler, Stalin, Saddam? Por que não a de George Bush? Ou a de Harry Truman, que ordenou o bombardeio atômico de Hiroshima e Nagasaki? Ou ainda a de todos os presidentes norte-americanos envolvidos com a guerra do Vietnã? Ou o general norte-americano que dizia que “índio bom é índio morto?” Ou todos os reis e rainhas colonialistas e imperialistas da Europa? Ou muitos papas, além de outros líderes religiosos? A lista não teria fim…

Várias associações e agências ligadas à prevenção e ao tratamento da Aids levantaram objeções. Estas vão desde o mau gosto das cenas (objeção de que compartilho) até acusações graves de que o vídeo o os cartazes estigmatizam os portadores da síndrome da imuno-deficiência. Há quem diga (o British Aids Trust) que a campanha pode ter um efeito perverso, ao estimular a comparação entre o assassino em massa e o portador da Aids, dificultando a busca dos exames necessários para identificar o problema. Ainda outros especialistas em comunicação e síndromes ou doenças apontaram que, no fundo, o vídeo estigmatiza a mulher, pois ela, evidentemente, sabe com quem está fazendo amor. Amor?

Olimpicamente, os patrocinadores e organizadores da campanha rejeitam todas essas acusações. Alegam que seu objetivo é chamar a atenção, e estão conseguindo seu desejo. Dirk Silz, publicitário da das Comitee, declarou à revista Der Spiegel que a campanha organizada pela empresa no ano passado, “Não dê chance à Aids” ficou longe da repercussão que esta já tem antes de começar, e não cumpriu seu objetivo. Além disso, Jan Schwertner, da Regenbogen (a propósito, o arco-íris é o símbolo internacional do movimento gay), declarou na mesma reportagem acreditar que a oposição de agências britânicas vem de seu temor de perder doações financeiras para as congêneres alemãs com o impacto da campanha. E acrescenta: “A Aids é uma doença, não [uma matéria] política”.

Mas é difícil aceitar ese argumento. Afinal de contas, a política fica por conta da escolha dos símbolos também. Ironicamente, pode-se perguntar (o que não implica concordância com a campanha): por que só aquelas três máscaras – Hitler, Stalin, Saddam? Por que não a de George Bush? Ou a de Harry Truman, que ordenou o bombardeio atômico de Hiroshima e Nagasaki? Ou ainda a de todos os presidentes norte-americanos envolvidos com a guerra do Vietnã? Ou o general norte-americano que dizia que “índio bom é índio morto?” Ou todos os reis e rainhas colonialistas e imperialistas da Europa? Ou muitos papas, além de outros líderes religiosos? A lista não teria fim…

Mas a melhor observação sobre a campanha (do ponto de vista deste blog) ficou por conta do especialista em comunicação David Novak, da Oline Buddies Inc., na ABCNews, ao perguntar por que, no fim de contas, fazer uma campanha baseada no medo universal. Por que não fazer uma campanha baseada no prazer do sexo seguro, na confiança mútua, no “sexo positivo”, para usar suas próprias palavras?

É uma boa pergunta.

O pânico, que se saiba, nunca é bom conselheiro. Nesse sentido a campanha rima menos com sexo seguro e mais com um momento em que no Velho Mundo renascem, diante do espectro da crise financeira, do desemprego em massa, estigmas e preconceitos de toda a sorte – dirigidos sempre, é claro, contra os “outros”, os que não são “nós”, que não estão “do lado de cá” da linha demarcatória do que o pré-juízo, prejuízo, define como “humanidade”.