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Diários do México: a passagem por Teotihuacan

Cenário de filmes que despertaram sonhos, parque histórico mexicano impressiona pela sofisticação a ponto de incultos atribuírem suas construções a 'marcianos'

CC Commons 3.0 / Gorgo

Pirâmide de La Luna, Teotihuacan: cenas de cinema e história pulsante de um continente

 

Depois de um embate ferrenho com os revolucionários Juariztas, a carruagem que leva uma marquesa para Vera Cruz, onde tomará um navio, fortemente escoltada por soldados franceses e mercenários norte-americanos, avança vagarosa, mas seguramente, pelo desértico cerrado mexicano. Do alto de uma pirâmide multissecular, um revolucionário Juarizta, de branco, chapelão e com a coronha do rifle apoiada na pedra, observa ostensivamente o cortejo. Embaixo, preocupado, Burt Lancaster observa para Gary Cooper: “é o quinto que vemos hoje”. Gary Cooper retruca: “ é o sexto”. No momento os dois e mais uma dezena e meia de mercenários estão a serviço de sua majestade o Imperador Maximilian, mas depois trocarão de lado, lutando ao lado dos revolucionários. Algumas observações importantes:

Numa das carroças está a revolucionária disfarçada Sarita Montiel, em sua estreia no cinema, e ela já está começando a se apaixonar por Gary Cooper.

Nos papéis coadjuvantes, gente do calibre de Cesar Romero, Ernst Borgnine e Charles Bronson.

A carruagem leva, no fundo falso, alguns milhões de moedas de ouro, para comprar armas para o Imperador, que, apesar da pompa, está em maus lençóis.

O Imperador Maximilian, posto no trono do México por uma manobra de Napoleão III, com apoio dos conservadores mexicanos, da Inglaterra e da Santa Sé, era primo-irmão de D. Pedro II. A história da família foi pontuada por tragédias. Seu irmão Francisco José, Imperador da Áustria, casou-se com Elisabeth da Baviera, mais conhecida por seu apelido de Sissi, que imortalizou e “prendeu” para sempre a atriz Romy Schneider. Ela era, portanto, prima política de Pedro II, cuja mãe, D. Leopoldina, era tia do Imperador. Foi assassinada em 1898, em Genebra, por um anarquista desesperado, que acabou se suicidando na prisão. Em 1889 seu filho primogênito Rodolfo foi encontrado morto ao lado da amante, também morta, numa aparente caso de suicídio. O sobrinho de Sissi e Francisco José e sua esposa foram assassinados em Sarajevo, em 1914, dando início à Primeira Guerra Mundial e ao fim do Império Austro-Húngaro. Abandonado por seus mentores, Maximiliano foi preso por Benito Juárez, julgado e executado em 1867

Voltando ao filme – Vera Cruz, de Robert Aldrich, de 1954 – a passagem diante da pirâmide tem algo de solene, pela construção, e pela postura altiva do rebelde sobre ela. Meus olhos de guri acompanharam aquela passagem (eu tinha uns sete anos quando o filme foi exibido no Brasil) na tela do Cine Marabá, em alguma tarde de domingo. Assisti na companhia de meu pai, que era muito parecido com Gary Cooper, e tinha aquele olhar em fogo baixo de herói melancólico. Depois eu vim a saber: tratava-se da Pirâmide do Sol, do conjunto arquitetônico conhecido como Teotihuacan, a 50 km ao norte da capital mexicana. O conjunto, imenso, compreende ainda uma outra pirâmide, a da Lua, do lado oposto, e uma série de construções intermediárias, tudo ricamente decorado por pinturas e esculturas que milagrosamente sobreviveram à ação corrosiva do tempo e dos predadores.

Seus primeiros predadores foram os toltecas. Depois vieram os méxicos, ou astecas.  Por fim, os espanhóis. O conjunto foi construído por um povo hoje de história bastante desconhecida. Estima-se que a data da construção gira em torno de 100 AC. Quando os astecas chegaram lá (eram um povo guerreiro, conquistador e a seu modo imperialista) o conjunto fora abandonado, por razões não firmemente conhecidas. Avalia-se que a causa deste abandono tenha sido uma forte seca, que devastou as plantações locais, forçando a mudança da população. Estudos recentes mostram que houve queima de alguns prédios – notadamente administrativos e religiosos – o que sugere que tenha havido algum tipo de revolta contra suas classes dominantes, por volta de 550 DC. Em seu apogeu, por volta de 400 DC, Teotihuacan teria uma população de 150 mil habitantes, o que a faria a sexta cidade em tamanho no mundo todo. Estimativas mais ousadas falam em 250 mil, mas talvez haja aí algum exagero. Há quem diga que a população era multi-étnica, mas não se sabe.

No conjunto ainda restam alguns prédios que eram claramente residências plebeias. Também pode-se ver resquícios de um sofisticado sistema de drenagem de águas e de esgoto, vendo-se até uma espécie de privada de pedra, como uma dessas em que meu tempo de guri a gente chamava “de rodoviária”, onde a gente evacuava acocorado (dizem os entendidos que esta é a posição correta, ajudando a previnir até o câncer de intestino) ao invés de sentado.

Os astecas lá chegaram entre os séculos XII e XIII da era cristã, enquanto os árabes muçulmanos ainda dominavam boa parte da Península Ibérica e Portugal estava se formando. Ficaram maravilhados, parece, com as já ruínas que encontraram, a tal ponto que se autoproclamaram descendentes dos teotiuhacanos, e as utilizaram para alguns de seus rituais religiosos. Deram-lhe inclusive este nome, Teotihuacan, da língua que falavam, o nahuatl, e que especialistas traduzem como “o lugar da estrada que levam aos deuses”, crendo que estes tivessem criado o mundo a partir dali. Outros traduzem por “o lugar onde os homens se tornam deuses”.

A vista do lugar é realmente impressionante, com as Pirâmides do Sol e da Lua imitando, aparentemente, os montes atrás de si. O caminho entre ambos chama-se “O Caminho dos Mortos”, nome também dado pelos astecas. Talvez a origem do nome venha do fato de que nas e entre as Pirâmides do Sol e da Lua praticavam-se sacrifícios humanos e de animais. Mas nada disso é certo, são apenas conjeturas sobe os nomes. O fato é que há notícias de que nas ruínas encontraram-se vestígios de cadáveres com características de terem sido mortos em rituais, provavelmente guerreiros capturados. Horror? Ora, ora, vejam o que os Conquistadores fizeram… enquanto na Europa se queimavam bruxas e bruxos até o século XVIII, para não falar em outras atrocidades, inclusive posteriores.

Um detalhe chamou-me a atenção, por sua magnificência. Diante de uma das semi-pirâmides, perto da Pirâmide da Lua, o guia que nos acompanhava postou-se diante da escadaria que leva a seu topo (bem baixo) e pediu que batêssemos palmas. Batidas estas, o eco nos respondeu com algo que se assemelhava ao pio de um pássaro, que ele até deu o nome, e eu esqueci (maldito eu!). Mais adiante, longe da escada, o eco simplesmente reproduzia as nossas palmas.

Ficamos pensando na extrema  sofisticação daqueles arquitetos, daquela civilização. Enquanto isto o guia nos falou de uma turista que ele lá levou, e de seu comentário de que tudo aquilo era realmente espantoso, “porque a gente sabe que estes povos não tinham cultura”…

Por esta razão de “incultura”, há até quem afirme que aquilo só pode ter sido construído por marcianos…

Mas calando estes idiotas da “incultura” contemporânea, percebi que do fundo dos meus olhos um guri de sete anos me agradecia por lá ter ido.