As denúncias de espionagem e as relações internacionais

Qual é a moral da França para reclamar dos Estados Unidos depois que bloqueou o acesso do avião de Evo Morales? Brasil foi o único a ter reação vigorosa. Europeus são vaquinhas de presépio

Philippe Wojazer/EFE

Deixa que te guio: Kerry foi à França para não explicar ao chanceler Laurent Fabius o alcance do esquema

Na semana que ora passa a França passou a protagonista das denúncias sobre a espionagem internacional promovida pela National Security Agency dos Estados Unidos. Além do governo e da diplomacia francesa, foram espionadas empresas como a Alcatel, da área de comunicações.

Já houvera denúncias anteriores de que os Estados Unidos tinham acesso aos dados da plataforma Swift, que congrega as informações sobre o sistema financeiro europeu – desde as grandes transações entre governos, bancos e empresas, às simples operações com cartões de crédito.

O governo francês reagiu de forma mais veemente que o congênere alemão. Este se resumiu a fazer declarações sobre a privacidade dos cidadãos, a necessidade de o Parlamento Europeu ter um novo marco regulatório sobre o que e como acessar nestas circunstâncias, tudo muito diluído. A França pediu explicações, o governo convocou o embaixador dos Estados Unidos, o secretário de Estado, John Kerry, foi interpelado em Londres etc.

Vai acontecer algo? Não muito. O paradigma destas manifestações é o México: falou, reclamou, diante da denúncia de que o seu presidente fora espionado, mas não matou a cobra nem mostrou o pau. Na Europa está acontecendo a mesma coisa.

Qual é a moral da França para reclamar dos Estados Unidos depois que bloqueou o acesso do avião do presidente Evo Morales a seu espaço aéreo diante da denúncia de que supostamente ele estaria transportando Edward Snowden para a Bolívia, como se ele fosse um contrabando no compartimento de bagagens, ou escondido no banheiro? Nenhuma, esta é a verdade.

Ademais, todos têm sua culpa no cartório. A França tem seu próprio sistema de espionagem, e espiona todo mundo. A Grã-Bretanha tem o seu, e não só espiona todo mundo, como também integra o consórcio dos cinco sistemas unificados de espionagem, com os Estados Unidos, o Canadá, a Nova Zelândia e a Austrália. A Alemanha vive a situação delicada de depender visceralmente das informações que o sistema secreto norte-americano lhe repassa.

O serviço secreto alemão, verdade seja dita, por mais autonomia que pretenda ter, é um puxadinho do norte-americano. Exemplo: a célula nazista de Zwickau. Enquanto o serviço secreto e a polícias da Alemanha se esfalfavam na busca de numa hipotética “máfia turca”, que assassinaria seus desafetos, o FBI alertou-os de que se tratava de uma atividade terrorista neonazi. Desta feita não acreditaram no Big Brother. Deu no que deu.

A única reação vigorosa diante da espionagem, até o momento, foi a do Brasil, com o cancelamento da visita de Estado que a presidenta Dilma Rousseff faria a Washington agora em outubro, e ainda a proposta de que haja um novo marco regulatório destas relações em nível mundial, além do estabelecimento de um sistema próprio de segurança.

Tem razão o Brasil. Afinal, é prova de desinteligência não reconhecer que a espionagem praticada, por exemplo, contra a Petrobras, estivesse ligada ao recente leilão de Libra. Ainda mais que estas operações são terceirizadas, como evidenciou a denúncia de Edward Snowden.

É verdade que um Brasil só não faz verão na diplomacia internacional. Mas ficar na condição de vaquinha de presépio é pior. É o que os países europeus têm feito.