tudo pronto

Flávio Aguiar: O primeiro Gripen a gente nunca esquece

Fui o primeiro brasileiro a pilotar um Gripen, ainda que de mentirinha. Escrevi várias reportagens sobre este contato, contrato e acordo

saab/divulgação
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Agora o modelo está pronto e vai levantar voo, para treinamento de pilotos brasileiros. Esperemos que tudo dê certo

A notícia ontem me pegou de supetão. A SAAB-Scania estava entregando o primeiro avião Gripen NG, comprado pelo Governo Federal do Brasil, para teste de voos. É o primeiro de um lote de contratados 26.

Fui tomado de forte emoção: afinal, eu fui o primeiro brasileiro a pilotar um Gripen, ainda que de mentirinha. Escrevi várias reportagens sobre este contato, contrato e acordo.

Tudo começou em abril de 2010, quando Celso Horta, editor da então projetada InovABCD, me contatou por Skype para fazer uma matéria que deveria sair no número 0 da revista, aquele experimental.


Arquivo InovaABCD

Flávio Aguiar: Tarefa era ver se o Gripen só existia no papel, como dizia o ministro. Ele errou


Tratava-se de interferir na escolha do protótipo de avião a ser comprado para a FAB, com o fito de renovar nossa frota protetora do espaço aéreo territorial e marítimo. Além da candidatura do Gripen da SAAB/Scania, concorriam o Rafale da Dassault francesa, e o Hornet, da Boeing norte-americana. O Rafale era o preferido do então ministro da Defesa, Nelson Jobim. Os oficiais e técnicos da FAB preferiam o Gripen. E a pressão da Boeing (que acabaria se apropriando da Embraer) e dos noite-americanos era enorme.

O ministro Nelson Jobim lançou um desafio, dizendo que o Gripen NG existia apenas no papel. Como as perspectivas da aquisição do modelo sueco eram promissoras para o ABCD, o Sindicato dos Metalúrgicos estava interessado em averiguar a realidade do Gripen.

Então lá fui eu – um pacifista que participara de marchas contra a Guerra do Vietnã, nos Estados Unidos, em 1964 e 1968 – examinar um protótipo projetado de um avião de guerra. Confesso que tive algumas horas a mais de insônia por causa disto.

A fábrica do Gripen – que fabricava algumas de suas peças fundamentais e reunia outras – fica em Linköping, no sul da Suécia. Fui, vi e voei. Entrevistei um pacote de gente, de executivos da área de contatos, marketing e comércio, a oficiais da Força Aérea e CEOs da empresa in loco, passando por incubadores de cooperativas ligadas ao setor e relações públicas. A propósito: um dos entrevistados foi  Stefan Löfven, então presidente do Sindicato Nacional dos Metalúrgicos da Suécia e hoje primeiro-ministro social-democrata do país.

Fiquei convencido de que o Gripen existia, o novo modelo NG era um projeto realista, e de que sua contratação para a defesa do nosso território era atraente. Não só isto: na sala de simulação de voo, pilotei um, monitorado por um técnico da área. Levantei voo, fiz cabriolas que me deixaram um pouco enjoado, atirei um míssil derrubando um avião amigo e consegui aterrissar o aparelho sem arrebenta-lo no chão. E fui escrevendo e reescrevendo a respeito.

Depois o Luiz Marinho, então prefeito de São Bernardo, foi lá e voou num avião real, com direito a foto de macacão e tudo. Mas com um piloto que se encarregou da operação. Não pilotou. Sorry, periferia.

A aquisição do Gripen enfrentou séria resistência, tanto à direita quanto à esquerda. Aquela preferia o modelo norte-americano, no máximo o francês. Esta perguntava por que não comprar modelos russos ou chineses, num saudosismo do tempo em que a Rússia era o epicentro da União Soviética e a China era um país comunista. Mas tudo se enfeixava, tanto de um lado quanto do outro, num desejo de enrascar o governo de Dilma Roussef, naquele esforço de sabota-lo, o que levaria a seu desastroso impeachment no golpe de Estado de 2016.

Apesar de tudo, agora o modelo está pronto e vai levantar voo, para treinamento de pilotos brasileiros.
Esperemos que tudo dê certo.

Porque o que narro se passou num tempo em que o governo federal do Brasil e o Itamaraty prezavam o soft power, a linguagem diplomática e a soberania, ao invés da truculência, da subserviência em relação aos Estados Unidos, do elogio da ignorância e da grosseria.