Flávio Aguiar

Está na hora de calar Bolsonaro. Ou melhor, de deixá-lo falando sozinho

Já é tempo de as esquerdas passarem a promover uma pauta positiva para o país, ao lado das críticas sobre os desmandos e absurdos promovidos pelo governo que está aí

Isac Nóbrega/PR
Isac Nóbrega/PR

Outro dia dei uma zapeada pelos sites alternativos do Brasil. Fiz uma constatação algo espantosa e preocupante: 70% das manchetes que vi diziam respeito aos absurdos que Bolsonaro faz, diz, diz que faz, diz que vai fazer, desmente, volta atrás do desmentido etc. Outros 20% falavam de Moro, Dallagnol, Guedes, ou de defesas do que Bolsonaro diz, diz que faz, diz que vai fazer, desmente etc.

Fiz outra comparação curiosa. Cada vez que Trump tem um surto nos Estados Unidos, como no caso do seu ataque contra as quatro deputadas norte-americanas que ele quer que “voltem para donde vieram”, Bolsonaro tem outro surto no Brasil, anunciando algo fantasioso ou mais uma destruição de algo que se construiu durante décadas.

Há uma cronologia e uma homologia perfeitas. Por exemplo: Trump ataca as quatro deputadas, com toques de racismo. Imediatamente Bolsonaro ataca os nordestinos, com toques de xenofobia regionalista. Trump diz que o que disse não é bem assim. Bolsonaro diz que o que disse não é bem assim. Trump, com outras palavras, reitera os ataques. Bolsonaro desloca seu ataque para os governadores. O governo norte-americano diz ter derrubado um drone iraniano no estreito de Hormuz. Bolsonaro  impede que navios iranianos sejam reabastecidos pela Petrobras no porto de Paranaguá, contrariando praxe internacional. E por aí foi, vai e irá.

Parece até que Bolsonaro recebe instruções telepáticas. Melhor que seu ministro da Justiça, que precisa ir receber instruções e informações in loco, nos “esteites”.

Vejo e não vejo tática nisto. A ideia é manter-se no centro das manchetes e ao mesmo tempo impedir que outras vozes se articulem em propostas alternativas. Por outro lado há mesmo algo de incontenção compulsiva neste ruído constante: o presidente tem medo de ficar sozinho. Ou simplesmente confinado na gaiola de sandeus e sandias da bajulação que é seu séquito mais próximo, cuja estrela agora é a cada vez mais cadente do ex-heroi Sergio Moro e seu (in)fiel e também boquirroto escudeiro, Deltan Dallagnol.

Está mais do que na hora das esquerdas passarem a promover uma pauta positiva para o país, ao lado das críticas que, sem dúvida, deve-se continuar a fazer sobre os desmandos e absurdos promovidos pelo governo de Bolsonaro e adjacências. Há comentaristas que vêm sugerindo insistentemente que as esquerdas estão fazendo tudo errado e que deveriam, digamos, “partir para outra”. Embora esta “outra” nunca fique muito clara.

Talvez se devesse pensar com mais modéstia e objetividade. Não adianta querer que o PT deixe de ser o PT, que a CUT deixe de ser a CUT, ou que o Psol seja o PT de ontem no presente ou no futuro, que o PCdoB reedite uma guerrilha pós-moderna, etc. É melhor contar com o que temos.

As esquerdas não viraram apenas “jogadores parlamentares” ou algo parecido. As greves e movimentos de junho demonstraram isto. Mas articular tais movimentos não é como tirar coelhos de uma cartola. Há também movimentos tectônicos que, digamos assim, “comandam” estas movimentações. Das “Marchas com Deus pela Família e a Liberdade” e “A Família que Reza Unida permanece Unida”, do Padre Peyton (lembram?), até a campanha das Diretas rolaram uma vintena de anos. Pelo menos.

Por outro lado (esta vida anda cheia da “lados”) é necessário sim organizar melhor o que aí está. Quem sabe organizar algo parecido com um shadow cabinet. Eu sei que vai ser duro fazer shadow a alguéns como Damares, Araújo, Salles, Cristinas, Moros et alii. Neste sentido um “shadow” de fato que temos é o Lula.

Embora encarcerado, ele continua fazendo o contraponto a um governo inteiro. Defende no gol, bate o tiro de meta, arma o meio do campo, centra, bate o escanteio e cabeceia no gol adversário. Por isto é tão odiado quanto temido. Mas é preciso ir além: lançar programas alternativos para a verdadeira reconstrução do país que será necessária.

O Celso Amorim é outro, na política externa. O Padilha faz boa crítica na área da Saúde, mas precisa apresentar mais propostas. No Parlamento temos abnegados que procuram minimizar o pior das propostas apresentadas, entre elas a do retrocesso na Previdência, na Seguridade Social e na proteção ao trabalho. Mas precisa-se ir além: fazer mais barulho com propostas alternativas, mesmo que de momento não venham a ser aprovadas.

Outra coisa importante é intensificar a articulação e os contatos internacionais das esquerdas brasileiras, recorrendo, entre outros, até aos auto-exilados na Europa e nos Estados Unidos. Há um novo Parlamento Europeu a explorar, com uma presença mais robusta dos Verdes, por exemplo. Meio Ambiente na Europa é sempre um tema cativante e uma verdadeira bomba-relógio contra o governo de Bolsonaro.

Há esta “nova esquerda” norte-americana. Vejo muita falação em torno desta projetada Frente de Extrema-Direita Internacional, cujos vetores principais, de momento, são Matteo Salvini, Steve Bannon, o cardeal Raymond Burke, com o ridículo Eduardo Bolsonaro a tiracolo, com sua frigideira de hambúrguer.

E as esquerdas? Penso que seria viável destacar companheiras e companheiros articulados com os movimentos, sindicatos, centrais e partidos brasileiros de esquerda para organizarem e sistematizarem estes contatos. Apesar da repulsa internacional a Bolsonaro já ser um fato, e a contra Moro e Dallagnol ser crescente, há muito o que explicar no exterior, tanto sobre o governo, quanto sobre a Lava-Jato e a perseguição contra Lula, por exemplo.

Bem, são algumas ideias. Outras virão.