Lixo da história

De juízes e juízos, ou da falta de

Apressamento em julgar o recurso da defesa do ex-presidente Lula pelo TRF-4 é mais nova expressão da hipocrisia que tornou-se 'a alma do negócio' da mídia brasileira

CC – Wikimedia

Hipocrisias: com argumento de ‘definir’ o cenário para as eleições 2018, parte do Judiciário e da mídia promovem perseguição política contra Lula

Dizia La Rochefoucauld, escritor francês do século XVII, que “a hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude”. Mas hoje em dia, em várias frentes, a hipocrisia não presta mais homenagem a nada: ela tornou-se a própria alma do negócio. 

Cevar a mentira com ares de moralismo transformou-se na prática comum em várias frentes, do jornalismo aos tribunais, dos tribunais à política. Mentir com convicção de verdade: este é o motto, por exemplo, da prática disseminada das “fake news”, expressão que já existia no jornalismo, mas que o presidente Trump revigorou na sua defesa diante das acusações de ter-se conectado, por meio de assessores e familiares, com operadores russos.

É verdade que a Rússia tornou-se uma espécie de bode expiatório universal. Para parte da mídia ocidental, tudo é culpa da Rússia, da derrota de Hillary Clinton nos EUA ao movimento da independência da Catalunha na Espanha, passando pela guerra interminável na Síria. Porém cabe ao acusadores de Trump apresentar provas e a ele cabe se defender. Porém, quanto mais ele e seus assessores se manifestam, mais sua defesa se enreda num cipoal de declarações que se contradizem entre si.

Também se deve pôr na conta da hipocrisia suas declarações de que o reconhecimento pelos EUA de Jerusalém como capital de Israel (“eterna”, segundo sua campanha) não prejudica a perspectiva de paz na região, ou de solução negociada para o conflito entre israelenses e palestinos. 

Há exemplos também vigorosos no passado: grande parte da mídia ocidental comprou, sem qualquer juízo crítico, a acusação de que Saddam Hussein armazenava armas de destruição em massa para justificar a invasão do Iraque e sua deposição.

Não há, portanto, qualquer originalidade por parte da mídia brasileira “mainstream” ao aderir à prática da hipocrisia. Talvez haja mais grossura, em comparação com alguns de seus pares na mídia internacional.

A última versão desta atitude hipócrita consiste em propalar seu “alívio” pelo apressamento do TRF da 4ª Região em julgar o recurso da defesa do ex-presidente Lula diante de sua condenação pelo juiz Sérgio Moro no caso do apartamento no litoral paulista. Este propalado “alívio”, que vem algumas vezes seguido do comentário igualmente hipócrita de “seja qual for a decisão”, se estriba no argumento de que assim pode-se “definir” com mais clareza o cenário eleitoral de 2018. Caso contrário, este ficaria “conturbado”. 

Ora, ele já está devidamente “conturbado” pelo golpe de 2016, pela perseguição implacável (o chamado lawfare) contra Lula, praticada por procuradores, juízes, policiais e pela própria mídia. O dito “apressamento” é parte do “lawfare” e da conturbação do cenário eleitoral. Ele vem acompanhado de toda a sorte de especulações que visam também conturbar o cenário eleitoral, das quais a mais perfeita é a da adoção do “semi-presidencialismo”, expressão que visa traduzir na esfera política, com semi-requintes de pseudo-polidez, a cassação pura e simples do conceito de soberania popular, bem como a cassação da já moída Constituição de 1988, a melhor que já tivemos.

Não esqueçamos que parte desta mesma mídia golpista se referia a ela como “a Constituição cidadã”, e que esta era uma expressão pejorativa…

A condenação de Lula sem qualquer prova já é uma trágica piada jurídica de mau gosto. Tem razão o juiz-presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, em dizer que esta condenação vai entrar para a História. Entrará, sim, mas não pela porta da frente, cobrindo a testa de quantos a montarem de louros gloriosos. Vai entrar, sim, mas pela lata de lixo, fazendo companhia, como já escrevi anteriormente, às práticas de Roland Freisler na Alemanha nazista, de Andrey Vichinsky na URSS de Stalin e de Joe McCarthy nos EUA que, antes de ser senador, foi também juiz. Todos eles primavam pela prática da usurpação de funções: eram juízes, mas também promotores; pré-julgavam, antes mesmo de acusar.

McCarthy levou esta prática para o Congresso norte-americano, onde tornou-se senador e deixou, como marca, seu nome vinculado à ideia de injustiça e perseguição, ao contrário de justiça e equilíbrio na investigação.

Na mesma lata de lixo da História, embrulhados no mesmo papel que a condenação e os procuradores e juízes sem juízo, irão parar todos os arautos desta mídia “mainstream” que esbravejam pela condenação do ex-presidente, por sua prisão e amputação da vida política.