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Para interromper queda de Hillary, Obama intervém no caso FBI x Clinton

Ainda não se sabe qual será o tamanho real do estrago de denúncias – sem convicções nem provas – divulgadas pelo FBI contra candidata democrata, mas que houve estrago, houve

CC wikimedia / Gage Skidmore

Hillary Clinton pode ter eleição comprometida por denúncias “estratégicas” de diretor do FBI, sem provas

Eu penso firmemente que há uma norma segundo a qual, quando há investigações em curso, não se deve operar com base em insinuações. Não se deve operar com base em informações incompletas. Não se deve operar com base em vazamentos (de informações sigilosas*). Opera-se com base em decisões concretas que são tomadas.

A frase poderia se referir à operação Lava Jato e à República de Curitiba. Mas não é o caso. Ela foi proferida pelo presidente Barack Obama, referindo-se à decisão do diretor do FBI, James Comey, enviando carta ao Congresso norte-americano dizendo que novos emails descobertos no entorno de Hillary Clinton “poderiam” ser relevantes para reabrir o caso antigo a respeito do uso indevido de endereços de internet.

Explicando os termos:

“Entorno”. O diretor do FBI referia-se, ao que parece, a 650 mil emails presentes nos arquivos de uma das principais assessoras de Clinton, Huma Abedin. Estes emails foram descobertos durante uma investigação sobre exibicionismo sexual na internet do marido – ou ex-marido – de Huma, Anthony Weiner.

Weiner é um político democrata do estado de Nova York, tendo sido forte pré-candidato à prefeitura da cidade do mesmo nome. Desde 2011, no entanto, seu nome esteve vinculado a acusações de exibicionismo pela internet, enviando fotos de nudez para mulheres. A acusação mais grave data deste ano, 2016, em que ele teria mantido uma correspondência deste gênero com uma menor de idade, de 15 anos, da Carolina do Norte.

“Poderiam”. Comey não esclareceu o teor dos emails, nem se, de fato, seriam comprometedores. Aliás, nem mesmo se haveria emails de Hillary Clinton entre os investigados. Ele simplesmente levantou a suspeita, e deixou-a no ar.

Isto é pior do que uma acusação direta, pois impossibilita a pessoa acusada de se defender. Parece a situação comum em antigos tribunais da Inquisição, em que o(a) réu(ré) sabia que era acusado(a), mas não qual era a acusação. Ele(a) tinha de ir confessando até “acertar” de qual crime era a acusado(a). A negativa só piorava a situação, abrindo o caminho para (mais) torturas.

No passado, Hillary foi investigada por, quando era Secretária de Estado, ter usado endereço(s) privado(s) para emails de caráter oficial. Hillary reconheceu o erro, e o FBI e outros envolvidos na investigação decorrente chegaram à conclusão, no entanto, que não havia motivo para um processo judicial, dando o caso por encerrado.

A seguir houve revelações de novos emails inadequados, desta vez por parte do site Wikileaks, e referentes ao Comitê Diretor do Partido Democrata. Estas mensagens revelavam que o Comitê favorecia, indevidamente, Clinton contra seu adversário nas primárias do partido, o senador por Vermont Bernie Sanders.

As denúncias não atingiram Clinton diretamente, mas levaram a presidenta do partido à renúncia. Por outro lado, provocaram a suspensão do acesso à internet de Julian Assange, o diretor do site, por parte da Embaixada do Equador em Londres, onde ele está asilado desde junho de 2012. A suspensão se deu por estar ele interferindo em eleição de outro país. Embora houvesse revelações de emails trocados com o chefe da campanha de Clinton, o caso ficou nisto, sem maiores consequências.

Entretanto, a menos de dez dias da eleição presidencial, Comey aventou a possibilidade de reabrir o caso, depois do exame destes “novos” emails. Sua “denúncia” – ainda sem provas nem convicção – colocou Clinton e sua campanha na defensiva. Até então sua vitória na eleição parecia assegurada, e quem se via às voltas com denúncias – desde assédios sexuais até fraudes fiscais – era seu adversário, o republicano Donald Trump.

Com as insinuações (em inglês, innuendo) de Comey, houve forte oscilação nas intenções de voto e a distância entre Clinton e Trump caiu. Houve até uma pesquisa que dava vantagem de um ponto percentual para o candidato republicano. A maior parte das pesquisas continuam dando vantagem para Clinton, mas a diferença, que era de quatro pontos ou mais, caiu para dois pontos ou menos.

Ainda não se sabe qual será o tamanho real do estrago, mas que houve estrago, houve.

Congressistas democratas, e até alguns republicanos, criticaram a atitude de Comey como indevidamente partidária e contra a tradição recente do FBI.

“Recente”. Sabe-se que no passado J. Edgar Hoover, que dirigiu o FBI de 1935 a 1972, usou de seu poder para tentar influenciar eleições, e em favor de democratas ou republicanos, conforme quem fosse seu “chefe”.

Comey defendeu-se, alegando que sua decisão anterior, de não abrir processo contra Clinton, fora criticada dentro do próprio FBI e fora dele. Temia que as informações sobre os novos emails vazassem de outro modo, o que lhe traria contrariedades e poderia custar-lhe a credibilidade.

Assim mesmo, ficou no ar a impressão, comentada por várias fontes, de que ele estava fazendo o jogo dos republicanos, não só por causa de Trump, mas porque as eleições também são para o Congresso, onde estes, atualmente, têm maioria nas duas casas.

A decisão – também complexa – tomada pelo presidente, de criticar seu “subordinado” e assim entrar a fundo nesta nova fase da campanha, pode ter advindo igualmente de outro fator. Nos Estados Unidos pode-se votar antecipadamente. Dia 8, terça-feira, corre o dia nacional das eleições. A lei que justifica esta determinação (primeira terça-feira de novembro depois da primeira segunda-feira do mês) data do século 19.

O voto é facultativo. Mas o eleitor pode comparecer a sua sessão eleitoral antes desta data e depositar seu voto. Até o momento (quinta-feira, 3) 23 milhões de eleitores votaram desta forma. Observou-se uma queda de 15% ou mais, dependendo do local, no comparecimento antecipado de eleitores negros, em relação a 2012, ano da reeleição de Barack Obama. E este voto, assim como o “voto latino”, é crucial para Clinton.

* O termo empregado pelo presidente, em inglês, foi “leaks”, vazamentos. No contexto, isto implica o vazamento de informações sigilosas. Mais uma vez os Estados Unidos se curvam ante o Brasil, e o FBI ante a Vaza a Jato.