Fim de uma era

Prefeito que construiu imagem progressista de Berlim encerra mandato

Klaus Wowereit deixa gestão depois de 13 anos, e faltando dois. Cidade tornou-se metrópole efervescente – 'pobre, mas sexy', segundo ele –, moderna e exposta às contradições da Europa contemporânea

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Católico e homossexual, casado desde final dos anos 1990, Wowereit construiu imagem de cidade tolerante

O prefeito da cidade de Berlim, Klaus Wowereit, anunciou que deixará o cargo antecipadamente, no dia 11 de dezembro deste ano. Seu mandato ainda poderia durar mais dois anos. Wowereit começou sua carreira política como membro do parlamento de uma das administrações regionais de Berlim, a de Tempelhof. Militando sempre no Partido Social Democrata (SPD, na sigla em alemão), tornou-se prefeito da cidade em 2001. Estando à esquerda no espectro político do partido, governou com uma das raras coligações entre o SPD e o partido Die Linke, formado por dissidentes da social-democracia, quando esta aderiu ao programa neoliberal. Durante muito tempo o Partido Verde também fez parte da coligação. Mas pouco antes das últimas eleições, em 2011, o PV retirou-se da coligação, preferindo lançar uma candidata própria, Renate Künste.

Na eleição, a União Democrata Cristã, (CDU), partido da chanceler Angela Markel, tornou-se o segundo partido no parlamento berlinense. A antiga coligação com a Linke foi substituída por uma nova coligação com a CDU, mas Wowereit permaneceu como prefeito.

Pouco antes da eleição de 2001, Wowereit (cujo apelido é ‘Wovie’) deu uma declaração pública revelando ser homossexual e ter uma união estável desde a década de 1990. Wowereit se declara também católico praticante e não vê contradição. Tradicionalmente ele abre a parada gay da cidade, que é uma das maiores da Alemanha e da Europa.

Muito popular, Wowereit deu uma contribuição notável para consolidar a imagem de Berlim como uma cidade tolerante e progressista. Voltando a ser a capital da Alemanha a partir de 1998, Berlim tornou-se um dos centros turísticos mais procurados da Europa. Durante estes 13 anos da “era Wowereit” tornou-se uma metrópole efervescente, mantendo a imagem de uma “cidade jovem”, “para jovens”, apesar de ter uma das populações mais velhas da Alemanha.

Com a mudança de perfil, a cidade mudou também socialmente. Wowereit cunhou uma expressão sobre Berlim que ficou célebre e marcou época: “uma cidade pobre, mas sexy”. O aspecto “pobre” se referia a ser ela uma cidade com uma taxa desemprego maior do que a média alemã, e também a seu alto nível de endividamento. Também é, ainda, uma cidade onde o custo de vida é barato (incluindo aluguéis) para a média das principais capitais da Europa.

Porém, Berlim não deixou de passar por um processo de “gentrificação”, termo derivado do inglês (de “gentry”, que designa a fidalguia média) e que designa uma elevação do status social da população de uma cidade. Depois de voltar a ser a capital, passou a atrair executivos e diplomatas, por exemplo. Além disso, como Berlim é uma das poucas cidades (uma cidade-estado, semelhante a Brasília) onde o ensino superior é praticamente gratuito, atraiu mais e mais jovens, mesmo de famílias abastadas.

Bairros inteiros mudaram de perfil. O caso mais dramático foi o de Prenzlauerberg, um bairro operário da antiga Berlim Oriental, que hoje é uma das áreas de metro quadrado mais caro da cidade. Até mesmo Kreuzberg – o bairro tradicional dos imigrantes turcos – se viu invadido por uma série de condomínios de luxo. Talvez se encontre aí – na “gentrificação” – uma das explicações para o voto mais conservador em 2011.

A transformação de Berlim em capital trouxe também o que viria a ser o calcanhar de Aquiles de Wowereit: o projeto de construção de um novo aeroporto para a cidade, ao lado do antigo (e ainda operando) aeroporto de Berlim Oriental, Schönefeld. A construção de aeroporto tornou-se uma dor de cabeça para todos os envolvidos nela. Inicialmente tocada por consórcios privados, a construção teve de ser estatizada devido a problemas de administração. Wowereit fez parte do Conselho Administrativo do projeto, e foi seu presidente.

O aeroporto passou por uma série de atrasos e reformulação do projeto. O custo, previsto para ficar em torno de € 2 bilhões, já passou dos € 5 bilhões. Sucessivas tentativas de inaugurá-lo tiveram de ser canceladas, sendo a mais espetacular a de junho de 2013, quando 10 mil convites chegaram a ser expedidos, o voo inaugural foi marcado, mas a 15 dias do evento, o mesmo foi suspenso por falhas no sistema de segurança. No momento não há data prevista para a inauguração, mas diz-se que só ocorrerá em 2016.

O imbróglio do aeroporto provocou a renúncia de Wowereit do Conselho e, para a mídia e os políticos mais conservadores, arranhou a sua reputação. Agora atribui-se sua renúncia a este quiproquó, e não se sabe qual será seu futuro político, nem mesmo se haverá algum. Ele chegou a ser cogitado como um possível candidato do SPD a chanceler, coisa que aparentemente era olhada com algum temor pela atual direção do partido, mais conservadora.

Momentaneamente, Berlim está acéfala. A CDU tem grandes projetos para a cidade, dizendo que terminou a era do “pobre, mas sexy”. Já fala em grandes empreendimentos imobiliários, por exemplo, até mesmo em elevação dos aluguéis. Mas não tem ainda um nome forte. O PV teve uma candidata bem cotada, Renate Künste, mas tendo perdido votos na última eleição, não se sabe se terá forças para se recuperar. O FDP está combalido, depois de ter sido defenestrado do Parlamento Nacional por não ter superado a cláusula de barreira de 5% dos votos. A Linke tem um nome forte, Gregor Gysi, mas que atua na frente federal e não tem votos suficientes para emplacar um candidato. O SPD ainda não tem um nome à altura de Wowereit.

O destino da cidade, portanto, permanece incerto e aberto às especulações – inclusive as imobiliárias.