crise financeira

Islândia: mais uma ‘vítima’ da União Europeia

Caso à parte na trajetória da crise financeira, sempre à frente nos efeitos e nas soluções, a ilha de 320 mil habitantes corre risco de nova guinada à lógica conservadora graças a eleições no último fim de semana

Flavio Aguiar/Arquivo RBA

Tranquilidade social na ilha do norte da Europa pode estar com os dias contados

Primeiro foi a Itália. Embora ela esteja agora com um novo governo que promete priorizar o combate ao desemprego, o vampiresco Silvio Berlusconi (que sempre renasce das próprias cinzas) está de volta, e seu braço direito (esquerdo ele não tem) Alfonso Alfano é o vice-primeiro ministro e ministro do Interior. Berlusconi fortaleceu seu partido declarando-se anti-euro e virtualmente eurocético, espelhando uma desconfiança em relação à União Europeia que, na Itália, atinge 53% dos eleitores.

Agora foi a vez da pequena Islândia. Esta ilha de 320 mil habitantes é sempre uma espécie de termômetro avant-la-lettre do que se passa nos interiores vulcânicos da Europa. Na virada do século XX para o XXI, a Islândia tornou-se a menina dos olhos do neo-liberalismo, desregulamentando tudo, inclusive seu sistema financeiro. Em 2008, foi o primeiro país europeu a afundar na marola da crise do Lehman Brothers e outras agências financeiras dos Estados Unidos. Foi também o primeiro país a se recuperar, depois de uma dramática série de manifestações e de uma troca de governo, com os social-democratas subindo ao poder, em coligação com os Verdes. Houve uma devassa no seu sistema bancário, e o país entrou em vias de recuperação. O desemprego caiu para pouco mais de 5%.

Em outubro do ano passado fiz uma série de reportagens – publicadas inclusive aqui no Blog do Velho Mundo – sobre o sucesso do então novo governo em enfrentar de modo original a crise que se abatera sobre o país. Fugindo do receituário neoliberal, tendo o controle sobre a própria moeda, não tendo de se submeter aos ditames do Banco Central Europeu nem da Comissão Européia, a Islândia tornou-se um caso à parte no cenário da União Europeia devastada pelas políticas de “austeridade” postas em prática a partir da zona do euro. Além disso esta coligação levou a cabo uma importante reforma constitucional, democratizando o sistema de votação, que antes favorecia determinadas regiões do país em detrimento de outras.

Entretanto, no último fim de semana as eleições trouxeram de volta o Partido Independente, vastamente descrito como o responsável pela crise de 2008, com 26,5% da votação. Com o Partido Progressivo, também conservador, deve ter uma maioria folgada no Parlamento, com 38 cadeiras entre 63. O Partido Social-Democrata, até bem pouco tempo tido como o favorito, ficou com apenas 13,5% dos votos e nove cadeiras.

Um retorno da lógica conservadora anterior? Em termos. Em primeiro lugar o Partido Independente mudou sua retórica, falando agora na defesa dos empregos, numa diminuição de impostos e na resolução do problema – que permanece para larga parcela da população – de hipotecas que não têm como ser pagas. Além disso, defendeu a “reestruturação” – ou seja, cortes – das dívidas de seu sistema financeiro para credores internacionais, antes algo impensável para o partido.

Por outro lado, vários analistas na mídia vêm apontando que a principal causa da derrocada dos social-democratas foi sua insistente defesa da entrada da Islândia na União Européia, coisa que, no país, larga maioria parece abominar.

O partido demonstrou coerência com seu programa (embora seus correligionários Verdes fossem mais cautelosos quanto à adesão a U.E.). Podem até ter razão no longo prazo, pois defendem que a adesão a um bloco economicamente forte é a solução mais estável para a estabilização econômica, uma vez que a Islândia tem poucas frentes de atuação econômica, basicamente a pesca industrializada, os estaleiros e o setor serviços, além de biotecnologia e software. País de interior enregelado durante quase todo ano, tem um setor agropecuário relativamente pobre, limitando-se a carneiros, batatas e verduras e legumes produzidos em estufas. O abastecimento depende basicamente de importações. Ainda assim, a Islândia tem um dos Índices de Desenvolvimento Humanos (IDHs) mais altos do mundo e uma renda per capita de causar inveja.

Porém a febre especulativa que tomou conta do país a partir do final do século XX fez com que muitos de seus habitantes trocassem posições estáveis por especulações financeiras, como a compra de ações de bancos ou no mercado internacional, tendo sido levados na enxurrada que fez a economia do país desabar em 2008.

Dentro deste quadro, a última coisa que pode parecer interessante a um cidadão do país é a aproximação com a União Europeia, vendo a sucessão de nações que vão perdendo a sua “soberania cidadã” diante da avassaladora hegemonia da destruição do sistema de bem-estar social (bastante amplo na Islândia) que tomou conta do continente.

Apesar da sua mudança retórica e no tratamento da dívida externa de seu sistema bancário, o Partido Independente promete levantar restrições à circulação do capital financeiro, hoje mais severamente controlado pelo estado do que antes, em um ou dois anos. É bom lembrar que este foi um dos fatores que levou à crise em 2008, com os três maiores bancos islandeses agigantando-se em investimentos de risco e débitos a pagar.

A ver.