Loveparade: uma tragédia anunciada

Ambulâncias em frente a um túnel durante Loveparade, em Duisburg, onde ocorreu a tragédia que mostra despreparo para lidar com a nova Europa (Foto: Kirsten Neumann/Reuters) De luto e perplexa, […]

Ambulâncias em frente a um túnel durante Loveparade, em Duisburg, onde ocorreu a tragédia que mostra despreparo para lidar com a nova Europa (Foto: Kirsten Neumann/Reuters)

De luto e perplexa, a Alemanha aguarda o resultado das investigações sobre a tragédia da Loveparade realizada em Duisburg, na região industrial do rio Ruhr, a oeste do país.

19 pessoas morreram pisoteadas no domingo e 342 ficaram feridas quando o pânico se instalou em parte da multidão que acorrera a este festival de música tecno, comprimida dentro de um túnel de passagem que se revelou uma armadilha mortal. Na terça-feira (27) foi anunciada a morte de uma jovem em consequência dos ferimentos, elevando o total de vítimas fatais para 20.

Os comentários na mídia alemã apontam para um despreparo tanto dos organizadores do evento quanto da polícia que fazia a segurança.

As autoridades prepararam um contingente de 1.200 policiais, prevendo uma multidão de 500 mil pessoas. Os organizadores previam 800 mil. Apareceram 1,4 milhão de jovens. No entanto, o local previsto para o show que tradicionalmente encerra a parada, uma antiga estação para trens de carga, tinha uma lotação de 250 mil. Veio à luz na segunda-feira um documento da polícia local que desaconselhava, primeiro, a realização de um evento dessas proporções em Duisburg, cidade de 500 mil habitantes e sem infraestrutura para tanto; segundo, a convergência de seu final para um local fechado.

A Loveparade nasceu em Berlim, no ano em que o muro caiu, 1989. Em sua primeira realização, algumas centenas de jovens compareceram. Mas na euforia da reunificação alemã, ela cresceu rapidamente, chegando em poucos anos a cifras de milhão a 1,6 milhão de participantes.

De um evento de cultura underground ou alternativa, passou a ser um evento comercial de megaproporções. Os organizadores iniciais se afastaram, e a Loveparade deixou Berlim, migrando para a região do Ruhr, em cidades como Essen, Dortmund e agora Duisburg.

Mesmo antes da conclusão das investigações, uma coisa parece certa: a Loveparade está condenada, e com ela chega ao fim uma era da nova Alemanha.

Essa tragédia confirmou minha impressão de que uma parte das autoridades, e de organizadores de tais iniciativas, ainda vive numa Alemanha e/ou numa Europa que não mais existem.

Hoje a mobilidade dos jovens, motivada e potenciada pela internet, pela queda das barreiras políticas entre os antigos “Leste” e “Oeste”, pelas promoções aéreas, é muito maior do que há vinte anos.

Quando o então candidato democrata Barack Obama veio a Berlim, em 2008, a polícia preparou um esquema de direcionamento e bloqueio da passagem, com barreiras de metal, prevendo 150 mil pessoas. Apareceram 300 mil. O esquema não mudou. Só não houve uma tragédia porque os espaços e os caminhos de Berlim são muito amplos, e havia muitas saídas para escapar do tumulto e também, meios para não entrar nele.

Não foi o caso de Duisburg, onde a multidão passava por uma espécie de corredor, numa avenida ladeada por altas cercas, e depois entrava no túnel fatal – ressalvadas as proporções, como se faz num brete, nos matadouros.

Sintoma desse descompasso foi a patética frase de um dos responsáveis pelo plano de acesso ao local do festival, que se diz “especialista em pânico de multidão”, no Der Spiegel: “infelizmente muita gente não se comporta de acordo com as regras”.