Fórum de Davos: a outra volta do parafuso

Davos tem mais perguntas do que respostas (Foto: Christof Sonderegger/Divulgação Fórum Econômico Mundial) Muito interessante, a frase do professor Paul Singer nesta página da Rede Brasil Atual, de que não […]

Davos tem mais perguntas do que respostas (Foto: Christof Sonderegger/Divulgação Fórum Econômico Mundial)

  1. Muito interessante, a frase do professor Paul Singer nesta página da Rede Brasil Atual, de que não existem apenas demônios em Davos, cidade/estação turística na gelada Suíça, onde começa hoje (27/01) o Fórum Econômico Mundial.

É verdade. Se algo existe hoje em Davos são perguntas. Se vai haver respostas, é outra história.

As perguntas começam por um acontecimento insólito: na véspera (26 de janeiro) da abertura do Fórum, foi descoberto em seu quarto de hotel o corpo do chefe de polícia responsável pela segurança do encontro, Markus Reinhardt. Aparentemente trata-se de um suicídio.

As outras perguntas, não menos inquietantes, são: Haiti, Metas do Milênio, Meio Ambiente, Economia, Bancos, e fechando a lista, Lula.

O presidente do Brasil, que receberia pessoalmente na sexta-feira o prêmio (dado pela primeira vez) de Estadista Global, não é em pessoa uma pergunta, mas aponta para uma: o próprio Fórum.

Como recordou na abertura das rodadas dispersas pelo mundo do Fórum Social Mundial edição 10, em Porto Alegre, em 2003 o presidente Lula fez uma espécie de ponte entre o FSM e o Fórum de Davos. E agora, de certo modo, cumpre de novo esse papel. Isso confirma a avaliação de que Lula tornou-se, de fato, um “porta-voz do terceiro mundo”, seja lá o que isso quer dizer, e, nessa condição, um “global player”, como os participantes de Davos gostam de se auto-nomear.

Lula, como fez o presidente Sarkozy, da França, na abertura do evento, iria cobrar um controle maior sobre o sistema financeiro mundial (iniciativa também do presidente Obama dos EUA, com medidas que, apesar do apoio, por exemplo, do presidente do Banco Central Europeu, vêm sendo descritas pela oposição como “populistas”). Aliás, a palavra “populismo” entrou pisando firme na agenda do Fórum de Davos: banqueiros daqui e dali já estão arrepiando os cabelos (e talvez arreganhando os dentes) com medo do que vêm chamando de “medidas excessivas de controle” que poderiam provocar um “populist breakdown” (chique, não?) – uma “quebra populista” no sistema internacional.

Chris Giles, comentarista econômico do britânico Financial Times, escreveu em 27/01 que o clima em Davos era, em 2007, euforia; em 2008, medo da inflação; em 2009, “apocalíptico” (sic).

E em 2010? Uma única certeza parece, até agora, pontificar nesta edição do Fórum: os chamados “mercados emergentes” (tradução em financês pós-moderno para “países”) continuarão atraindo investimentos. Ou seja, China, Brasil, Índia, Rússia e mais alguns, como México e África do Sul. Isso segundo um organismo chamado  Institute of International Finances, uma instituição criada em 1983 por 38 dos maiores bancos do mundo, em resposta à crise do pagamento de dívidas internacionais no começo daquela década. Quem dirige o seu Conselho hoje é Josef Ackermann, um suíço que também preside o Deutsche Bank.

Se isso vai ser bom ou vai ser ruim, provavelmente o futuro, não o Fórum, dirá.

O que é o Fórum

O Fórum Econômico Mundial ganhou esse nome em 1987. Antes chamava-se Fórum Europeu de “Management”, e fora criado em 1971 por iniciativa de um professor de “Business” da Universidade de Genebra, o alemão Klaus Martin Schwab. A idéia do sr. Schwab era, inicialmente, a de promover junto a empresas e governos europeus os métodos “mais modernos” de administração financeira vigentes nos Estados Unidos.

Em sua primeira edição esse Fórum congregou quase 450 participantes: um número pequeno se comparado aos 2.500 de hoje, sem contar o batalhão de jornalistas presentes no de outro modo pacato recanto suíço.

Desse modo, se o FSM, que hora está em Porto Alegre e em seguida vai para a Bahia, está em sua décima edição, o de Davos chega à sua quadragésima. Nesse percurso ele foi se ampliando cada vez mais, até alcançar uma dimensão mundial e o status de “Observador” junto ao Conselho Econômico e Social da ONU.

Atualmente, mais ou menos 1.000 empresas de estatura mundial custeiam o Fórum, descritas como tendo um patamar de movimentação anual de pelo menos 5 bilhões de dólares.

Para ser membro desse seleto e caro clube, empresas ou outras entidades jurídicas devem pagar quase 80 mil reais anualmente (42.500 francos suíços ou cerca de 30 mil euros), mais uma taxa de inscrição de quase 32 mil reais. Ou seja, só para enfrentar a conta das passagens e do hotel na Suíça, o vivente já tem de desembolsar mais de 110 mil reais. Há ainda duas categorias de associados, os “Industriais”, que desembolsam cerca de 460 mil reais/ano, e os “Estratégicos”, cuja contribuição vai aos módicos 920 mil reais/ano.

Genericamente o Fórum diz dedicar-se a “melhorar o mundo” através dos “mecanismos de mercado”. Acontece que ao longo do tempo ele foi pegando uma certa má fama, de ser assim uma espécie de “clube dos ricos”. Talvez a má fama tenha vindo menos de sua pauta interna do que sua repercussão externa, sobretudo depois que o neoliberalismo assentou-se no trono mundial, com o passamento da finada União Soviética e a conversão do Partido Comunista Chinês ao capitalismo deslavado e tardio do fim do milênio.

Naqueles tempos parecia que só quem era financista ou para eles trabalhava podia falar grosso – ou até mesmo fino – em matéria de economia. O resto tinha de baixar os olhos, as orelhas e ensacar o bico. Não tardaram os protestos (que levaram à criação do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em 2001), que se dirigiam contra o G-7 (depois G-8), a Organização Mundial do Comércio e outros órgãos afins, a incluir o Fórum de Davos entre os favoritos em suas telas.

A criação do FSM, que inicialmente era “uma resposta a Davos” levou este Fórum a aprofundar sua “pauta social” e também o escopo de seus convidados, incluindo até pop stars do cinema, e do jet set internacional. Até da literatura, como é o caso de Paulo Coelho.

Isso não lhe valeu simpatias por parte dos participantes do FSM. Em contrapartida, levantou críticas de saudosistas mais conservadores, que passaram a reclamar que o excessivo envolvimento de ONGs e de temas políticos veio descaracterizando o caráter técnico (leia-se “sério”) das discussões nas incontáveis mesas que se realizam nos cinco dias em que o Fórum de Davos se reúne.

O que vai acontecer? Não sabemos. O Fórum não vai desaparecer, é claro. Mas pode ser que entre para a história como uma espécie de emenda ao soneto capitalista que foi o fim do século XX, assim como pode ser que o Fórum Social Mundial venha a ser descrito como o verdadeiro começo do século XXI e do novo milênio.

Enquanto se esperam as definições do futuro, o Fórum de Davos (assim como o FSM) também se interroga sobre seu futuro, na ordem mundial, se ainda não abalada, trincada pela crise financeira e econômica em que o capitalismo tardio se (e nos) atolou.

Uma dessas interrogações chama-se presidente Luis Inácio Lula da Silva, cuja homenagem dessa vez chama a atenção para o fato de que entre o céu e a terra, entre a produção capitalista e a rolagem financeira, havia mais ruído do que sonhava a vã filosofia dos adoradores dos mercados.