Volta de Lula faz bancada ruralista acelerar votação do ‘Pacote do Veneno”
Indústria pressiona para aprovar PL 6.299 ainda neste governo. Na avaliação de autor de novo livro sobre o tema, trata-se da maior ameaça ao sistema normativo regulatório de agrotóxicos brasileiro
Publicado 28/10/2021 - 07h27

São Paulo – A volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à disputa pela Presidência da República, com boa vantagem na preferência do eleitorado caso a eleição fosse hoje, é mais um componente para acelerar a votação do Projeto de Lei (PL) 6.299/2002. Mais conhecido como “Pacote do Veneno“, o projeto de autoria do ex-senador Blairo Maggi, megaprodutor de soja e ex-ministro da Agricultura de Michel Temer, praticamente revoga a atual Lei dos Agrotóxicos (Lei nº 7.802/1989), facilitando a vida do fabricante desses produtos, que tem no Brasil seu maior mercado consumidor.
A avaliação é do advogado Cleber Folgado, autor do livro Pacote do Veneno: Flexibilização da legislação de agrotóxicos e violações de princípios socioambientais (Conhecimento Livraria), lançado este mês. Na obra, o autor discute o PL 6.299 e os possíveis impactos no sistema normativo regulatório de agrotóxicos, caso seja aprovado.
“A possibilidade de um eventual governo Lula, ao meu ver, é mais um elemento que empurra o PL para a pauta de votação, porque na medida que tais alterações passam a constar em Lei, torna-se mais difícil retomar o que se tinha antes. Isso faz com que os interesses da indústria e do agronegócio pressionem para que o PL seja aprovado ainda no governo Bolsonaro”, disse à RBA.
“Musa do Veneno”
Para Folgado, se o PL for aprovado e Lula vier a ser eleito em 2022, haveria um clima favorável à revogação do “pacote”. Mas isso dependeria da configuração do Congresso. “O ‘Pacote do Veneno’, instituído por lei, só poderá ser substituído por uma nova lei. Todavia, é um processo lento, mais difícil.”
Isso porque a correlação de forças e interesses é muito forte. E também pela configuração do Congresso. A Câmara, especialmente, é bastante alinhada com os interesses do governo Bolsonaro, que por sua vez está alinhado aos dos ruralistas e do agronegócio, inclusive das indústrias desses venenos.
Não é à toa que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) seja comandado pela deputada Teresa Cristina (DEM-MS). Apelidada de Musa do Veneno, ela presidiu a comissão especial que aprovou o projeto. “Isso significa dizer que existe sim um cenário favorável à aprovação do PL 6.299, em especial com Arthur Lira na presidência da Câmara”, disse.
Mas, se mesmo diante dessa conjuntura favorável, o pacote não vier a ser aprovado e Bolsonaro seguir com sua política no setor por meio de atos normativos infralegais, o quadro complica para os ruralistas. Em um eventual governo Lula, haveria mais facilidade para reorganizar o sistema normativo regulatório de agrotóxicos. E assim suprimir as normas que possibilitam a flexibilização do sistema. “Enfim, são especulações. Afinal, é a conjuntura e a correlação na luta de classes que possibilitará de fato avançarmos na proteção da sociedade frente aos agrotóxicos, ou simplesmente assistirmos ao desmonte em curso.”
Portaria X lei
Há um exemplo prático que mostra as razões que fazem das normativas de Bolsonaro “fichinhas” diante do “Pacote do Veneno”. No ano passado, o Mapa baixou a Portaria 43, de 21 de fevereiro, estabelecendo prazo de 60 dias para a aprovação tácita de agrotóxicos e afins. A portaria estabelecia que, se os órgãos avaliadores não finalizassem o processo de registro de determinado produto agrotóxico em 60 dias, tal produto seria liberado provisoriamente até que se concluísse o processo de análise para fins de registro.
O prazo para o registro de um agrotóxico no Brasil, porém, leva em média de 8 a 10 anos. O seja, com a aprovação tácita haveria venenos circulando sem que soubéssemos seus reais efeitos para a saúde e o meio ambiente, e até mesmo sobre sua eficácia agronômica.
Mas pelo fato de a portaria se tratar de um ato infralegal, ou seja, não ser uma determinação feita por meio de uma lei analisada e aprovada no Congresso Nacional, não poderia assim revogar dispositivo da atual Lei de Agrotóxicos. Por isso, a Rede e o Psol, por meio das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 656 e 658, questionaram o Supremo Tribunal Federal (STF).
O ministro relator, Ricardo Lewandowski, entendeu que a portaria violava direitos e garantias fundamentais, dentre os quais destacou a dignidade da pessoa humana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Prevaleceu a Lei 7.802/1989. O voto do relator foi acompanhado por unanimidade pelos demais ministros da Corte, determinando a suspensão da eficácia dos itens que possibilitavam a liberação tácita.
“Se tais alterações tivessem ocorrido através de uma lei que por sua vez tivesse revogado a atual Lei de Agrotóxicos, como pretende o ‘Pacote do Veneno’, certamente tais questionamentos seriam mais difíceis”, disse Folgado.
Interesses da indústria
Nas palavras de Cleber Folgado, o “Pacote do Veneno” representa a maior ameaça ao sistema normativo regulatório de agrotóxicos brasileiro. As alterações propostas – todas consistentes em flexibilizações e desmontes – visam proteger exclusivamente os interesses da indústria de agrotóxicos e do agronegócio. “E transformam o sistema normativo regulatório desses produtos em algo que não tem como objetivo principal proteger a saúde pública e o meio ambiente através de uma lei que irá revogar a legislação em vigor, alterando por completo o sistema tal qual o conhecemos”, afirmou.
O PL cria uma “Taxa de Avaliação de Registro de produtos técnicos, produtos técnicos equivalentes, produtos novos, produtos formulados e produtos genéricos, de produtos fitossanitários e de produtos de controle ambiental, de Registro Especial Temporário, produto atípico, produto idêntico, produto para agricultura orgânica, cujo fato gerador é a efetiva prestação de serviços de avaliação e de registros”.
“Aparentemente é algo bom, visto que na legislação atual não existe tal previsão. No entanto, quando comparamos os valores estabelecidos, tem-se que eles são valores irrisórios aos cobrados nos Estados Unidos, União Europeia e China.”