Mamata letal

STF volta a julgar nesta sexta ação contra os incentivos tributários aos agrotóxicos

Ação apresentada pelo Psol pede a declaração de inconstitucionalidade da redução do ICMS e da isenção do IPI. Há 26 anos, essas indústrias lucram, enquanto o país, além de não arrecadar, arca com o custo das intoxicações e com a contaminação ambiental

Filipi Castilhos/RS
Filipi Castilhos/RS
Lavoura com agrotóxicos: renúncia fiscal viola frontalmente as normas constitucionais

São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) volta a julgar nesta sexta-feira (20), em plenário virtual, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.553, apresentada em 2016 pelo Psol. O partido pede a declaração de inconstitucionalidade dos incentivos tributários concedidos aos agrotóxicos. Estão na mira do julgamento a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a maioria deles e a redução de 60% na base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) nas vendas interestaduais para todos. Os ministros têm até 27 de outubro para manifestarem seus votos. 

Em 15 de junho, o ministro André Mendonça pediu vista. O indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) fez como Gilmar Mendes, que em novembro de 2020 havia pedido mais tempo para examinar a ação. No entanto, nesse tempo em que estudou a fundo o pedido, Mendes levou em consideração apenas os argumentos sem fundamentos científicos da indústria e dos ruralistas. E abriu divergência com o voto do relator, Edson Fachin, contrário às vantagens tributárias para esses produtos.

Em seu voto, proferido em novembro de 2020, o ministro Fachin reconheceu a inconstitucionalidade dos benefícios fiscais. E concluiu que as normas questionadas na ação do Psol violam artigos da Constituição brasileira. Sugeriu, inclusive, uma série de providências para a cobrança de ICMS e IPI sobre importação, produção e comercialização de agrotóxicos. E também solicitou que órgãos do governo avaliem “a oportunidade e a viabilidade econômica, social e ambiental de utilizar o nível de toxicidade à saúde humana e o potencial de periculosidade ambiental, dentre outros, como critérios na fixação das alíquotas dos tributos” sobre os agrotóxicos. 

Uso de agrotóxicos ameaça a existência humana, disse Fachin

Fachin não se restringiu a analisar a questão tributária. E evocou também o princípio da precaução sobre uso dos agrotóxicos ao destacar as evidências de riscos de uso e consumo dos químicos ao meio ambiente e à saúde. “O uso de produtos nocivos ao meio ambiente ameaça não somente animais e plantas, mas com eles também a existência humana e, em especial, a das gerações posteriores, o que reforça a responsabilidade da coletividade e do Estado de proteger a natureza”, apontou.

O que a ação questiona, mais especificamente, são as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Esses dispositivos concedem redução de 60% da base de cálculo do ICMS a inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas, parasiticidas, germicidas, acaricidas, nematicidas, desfolhantes, dessecante e outros insumos de uso agrícola, entre outros produtos variados. E também do Decreto 7.660, de 23 de dezembro de 2011. Nele, a então presidente Dilma Rousseff concedeu isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Ou seja, há 26 anos o setor se beneficia com essas decisões.

Para o Psol, a renúncia fiscal viola frontalmente as normas constitucionais, ademais quando analisadas sistematicamente. “Neste ínterim, destacam-se três violações centrais que a isenção fiscal de agrotóxicos realiza: sua incompatibilidade e violação do direito ao meio ambiente equilibrado, do direito à saúde e do princípio da seletividade tributária”. A seletividade estabelece que, para os bens de maior essencialidade, a alíquota será menor, e o inverso ocorrerá para os bens menos essenciais ou nocivos, como são os agrotóxicos. Ou seja, bem na linha do que defende Fachin.

Retomada do julgamento ocorre em meio à tramitação do Pacote do Veneno

Além de não arrecadar com os agrotóxicos, o país ainda tem prejuízos com os impactos trazidos por esses produtos. Segundo pesquisas da Fiocruz, para cada dólar gasto com a compra de agrotóxicos no Paraná, são estimados gastos de 1,28 dólar no tratamento de intoxicações agudas – aquelas que ocorrem imediatamente após a aplicação. Nesse cálculo não entram os gastos com saúde pública em decorrência da exposição constante aos venenos agrícolas, como com o tratamento do câncer. Tampouco os custos decorrentes da poluição ambiental ou ainda da seguridade social decorrente do afastamento por doenças e mortes dos trabalhadores e populações contaminadas. 

A retomada do julgamento pelo STF ocorre em meio à tramitação do Projeto de Lei 1.459/2022, na Comissão de Meio Ambiente do Senado. Mais conhecido como “Pacote do Veneno”, a proposta legislativa já aprovada na Câmara praticamente revoga a atual lei dos agrotóxicos. Afrouxa ainda mais as regras para registro, importação, produção e venda desses produtos. E por outro lado dificulta a fiscalização. A iniciativa, de interesse da indústria e também do agronegócio, conta com as bênçãos da bancada ruralista no Congresso Nacional, articulada pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que reúne 47 dos 81 senadores.  

Pelo princípio da precaução

“A sociedade brasileira precisa decidir neste momento entre dois caminhos: aprofundar o modelo do agronegócio e usar ainda mais agrotóxicos, ou caminhar no sentido de uma transição agroecológica. Aprovar o pacote do veneno significa incentivar o uso de venenos, enquanto que revogar as isenções de impostos será um importante passo no incentivo da agroecologia”, disse o integrante da coordenação da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Alan Tygel, destacando a relevância da decisão tanto no Legislativo como no Judiciário.  

“É um momento muito oportuno para o STF avaliar a inconstitucionalidade da isenção conforme bem proposta pelo voto do Ministro Fachin, no sentido de reconhecer os riscos à saúde e ao meio ambiente do uso de agrotóxicos. No cenário de discussões do PL do Veneno precisamos caminhar para reconhecer que os agrotóxicos não contribuem para produção dos alimentos da cesta básica, não havendo necessidade das isenções. Pelo contrário uma tributação mais rígida contribuiria para a redução do seu uso no Brasil, atendendo ao princípio da precaução à saúde e meio ambiente”, disse a assessora jurídica da organização Terra de Direitos, Tchenna Maso.

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Redação: Cida de Oliveira, com Terra de Direitos