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André Mendonça trava julgamento das isenções fiscais aos agrotóxicos

Ministro do STF quer mais tempo para analisar ação que pede a inconstitucionalidade da redução de ICMS e isenção de IPI concedidas há mais de 25 anos. Enquanto a indústria lucra, meio ambiente, saúde e cofres públicos padecem

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Fabricantes lucram com os agrotóxicos livres de impostos, que adoecem, matam e contaminam

São Paulo – O julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que pede a inconstitucionalidade das isenções e benefícios fiscais aos agrotóxicos voltou a ser travado com o pedido de vista do ministro André Mendonça. O indicado de Jair Bolsonaro repetiu Gilmar Mendes, que em novembro de 2020 pediu mais tempo para examinar a ação. Só que no retorno do julgamento, no último dia 9, Gilmar atendeu interesses do setor e divergiu do voto do relator, Edson Fachin, contrário às vantagens tributárias.

Mendonça, porém, não tem tanto tempo assim para examinar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.553, como o colega. Uma alteração do Regimento Interno da Corte pelo STF, em dezembro passado, determina que os pedidos de vista devem ser devolvidos dentro de 90 dias, contados a partir da data de publicação da ata de julgamento. Vencido o período, os autos do processo serão liberados automaticamente para que os demais ministros possam continuar sua análise.

Ajuizada pelo Psol em 2016, a ADI questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), além do Decreto 7.660/2011. Com base nesses dispositivos, o mercado de agrotóxicos passaram a ter, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos.  

Esses dispositivos, como estão há mais de 25 anos, favorecem o setor de agrotóxicos ao enquadrá-los no princípio da seletividade e essencialidade. Tal princípio determina que o Estado pode selecionar produtos e conferir benefícios fiscais, conforme sua importância social. Os fabricantes e os ruralistas manipulam argumentos para justificar a situação. Como afirmar, erroneamente, que esses produtos são essenciais para combater a fome. Esse falso argumento, aliás, foi repetido pelo ministro Gilmar Mendes em seu voto favorável ao setor.

Além de arrecadar menos, país tem prejuízo com agrotóxico

Além de deixar de arrecadar tributos, o Estado brasileiro tem muitos outros prejuízos causados pelos agrotóxicos. Estudo publicado na revista Saúde Pública, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), mostra que para cada dólar gasto com a compra de agrotóxicos no Paraná, são gastos U$$ 1,28 no tratamento de intoxicações agudas, que ocorrem imediatamente após a aplicação. Nesse cálculo de Wagner Soares e Marcelo Firpo de Souza Porto, não são considerados os gastos com saúde pública em decorrência da exposição constante aos venenos agrícolas.

É o caso de tratamento do câncer e os custos decorrentes da poluição ambiental. Estão excluídos também a seguridade social decorrente do afastamento por doenças e mortes dos trabalhadores e populações contaminadas. 

Além desse estudo, muitos outros estão na farta documentação apresentada como subsídio aos ministros por entidades admitidas no processo como Amici Curiae: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), organização Terra de Direitos, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Abrasco, Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e Fian-Brasil. 

Até o momento, apenas dois ministros se manifestaram. O ministro e relator, Edson Fachin, reconheceu em seu voto proferido em novembro de 2020, a inconstitucionalidade dos benefícios fiscais. O ministro conclui que as normas questionadas pela ADI 5.553 violam artigos da Constituição brasileira e sugeriu uma série de providências para a cobrança de ICMS e IPI sobre importação, produção e comercialização de agrotóxicos; além de solicitar que órgãos do governo avaliem “a oportunidade e a viabilidade econômica, social e ambiental de utilizar o nível de toxicidade à saúde humana e o potencial de periculosidade ambiental, dentre outros, como critérios na fixação das alíquotas dos tributos” sobre os agrotóxicos. 

Fachin evocou princípio da precaução

Na manifestação do voto, o ministro não se restringiu a analisar a questão tributária, mas evocou também o princípio da precaução sobre uso dos agrotóxicos para destacar as evidências de riscos de uso e consumo dos químicos ao meio ambiente e à saúde. “O uso de produtos nocivos ao meio ambiente ameaça não somente animais e plantas, mas com eles também a existência humana e, em especial, a das gerações posteriores, o que reforça a responsabilidade da coletividade e do Estado de proteger a natureza”, aponta Fachin.   

Já o ministro Gilmar Mendes votou no dia 9 pela manutenção dos benefícios fiscais aos agrotóxicos. Depois de quase dois anos do processo suspenso pelo pedido de vista do ministro, Gilmar Mendes acolheu os argumentos de entidades vinculadas ao agronegócio e se manifestou pelo não reconhecimento da ação que contesta a constitucionalidade do benefício.

Gilmar afirma em seu voto que os danos à saúde “não devem ser desconsiderados, mas por si próprios são insuficientes para se declarar a inconstitucionalidade dos benefícios, porquanto produtos essenciais não são isentos de causarem malefícios à saúde”. A posição diverge do relator Fachin e de um conjunto de organizações, pesquisadores e órgãos que denunciam os fortes impactos dos agrotóxicos para a saúde e meio ambiente, o que descumpre preceitos constitucionais.

Em defesa da manutenção da isenção, a Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja), Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal. (Sindiveg), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Crop Life também foram admitidas no processo. 

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Redação: Cida de Oliveira, com Terra de Direitos