benefícios para o veneno

Gilmar Mendes despreza malefícios dos agrotóxicos e defende incentivos fiscais para essas indústrias

Em seu voto, nesta sexta-feira (9), ministro atende apelos da indústria e repete falsos argumentos de que os esses produtos tornam os alimentos mais baratos – portanto são instrumentos contra a fome. E desprezou alertas de organizações científicas

Arquivo EBC
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Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos da América Latina. E produto segue praticamente livre de taxação

São Paulo – O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes votou hoje (9) a favor da manutenção de benefícios tributários à indústria de agrotóxicos no Brasil. Em voto virtual, o ministro atendeu interesses dos fabricantes em nome de falsos argumentos. Entre eles, que esses produtos tornam os alimentos mais baratos e que, portanto, são instrumentos contra a fome no país. E desprezou alertas de organizações científicas quanto aos malefícios à saúde e meio ambiente.

O voto contrário aos interesses do país marcou a retomada de um julgamento supenso em novembro de 2020, em que o ministro pediu vista. Trata-se de uma ação que questiona a constitucionalidade da redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). E também a isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos.  

Essas benesses foram instituídas pelas cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e pelo Decreto 7.660/2011. Ambos são questionados em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, ajuizada em 2016 pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol).

Iniciado em 2020, o julgamento tinha apenas o voto do ministro e relator da Ação, Edson Fachin. Para Fachin, são inconstitucionais os benefícios fiscais que reduzem e isentam tributos ao mercado de agrotóxicos há mais de 25 anos. E as normas questionadas pela ADI 5553 violam artigos da Constituição. Por isso, sugeriu em seu voto uma série de providências para a cobrança de ICMS e IPI sobre importação, produção e comercialização de agrotóxicos.

Fachin sugeriu avaliação de novas alíquotas em função da periculosidade

E mais: solicitou que órgãos do governo avaliem “a oportunidade e a viabilidade econômica, social e ambiental de utilizar o nível de toxicidade à saúde humana e o potencial de periculosidade ambiental, dentre outros, como critérios na fixação das alíquotas dos tributos” sobre os agrotóxicos.

E ainda evocou o princípio da precaução sobre uso dos agrotóxicos para destacar as evidências de riscos de uso e consumo dos químicos ao meio ambiente e à saúde: “O uso de produtos nocivos ao meio ambiente ameaça não somente animais e plantas, mas com eles também a existência humana e, em especial, a das gerações posteriores, o que reforça a responsabilidade da coletividade e do Estado de proteger a natureza”, aponta Fachin.

Segundo o voto de Gilmar depositado hoje, “os benefícios fiscais questionados na presente ação não viola o direito à saúde ou ao meio ambiente equilibrado”. Primeiro porque, segundo ele, “eventual lesividade” de um produto não retira o seu caráter essencial. E comparou os agrotóxicos a medicamentos.

Em seu voto, menciona ainda uma série de aspectos que não combinam com a realidade do Brasil. Gilmar fala, por exemplo, em “minucioso regramento no tocante à avaliação toxicológica, ambiental e agronômica para registro de defensivos agrícolas, a fim de garantir que os seus efeitos negativos sejam minorados e superados pelos benefícios de seu uso”.

Pesquisa desmente aumento dos custos de produção

Na realidade, as regras têm sido cada vez mais afrouxadas no país, com desmonte da participação de órgãos de saúde e meio ambiente na liberação desses produtos. O que pode ser piorado se for aprovado o Pacote do Veneno no Senado. Isso sem falar na liberação recorde desses produtos nos últimos quatro anos. Sendo grande parte deles de substâncias proibidas em outros países justamente pela toxicidade.

O ministro do STF desprezou os apelos das organizações científicas de saúde, meio ambiente e de direitos humanos, que refutam a ideia de que o fim da isenção do ICMS e IPI para agrotóxicos impactaria, majoritariamente, o bolso dos pequenos agricultores.

De acordo com projeções e estudos, a desoneração beneficia principalmente o setor agroexportador, e não influencia de forma expressiva os agricultores responsáveis pelos produtos da cesta básica. 

De acordo com o Censo Agropecuário (2017), áreas de pequena extensão são as de menor uso dos agrotóxicos. Propriedades de 2 a 5 hectares, as maiores em número no Brasil – com cerca de 420 mil estabelecimentos cultivados majoritariamente pela agricultura familiar – afirmam gastar cerca de 1,67% das despesas de produção com agrotóxicos. 

Oneração vai prejudicar o latifúndio exportador, e não a agricultura familiar

“É da agricultura familiar, grupo com baixa despesa do custo de produção com agrotóxicos, que consumimos cerca de 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa. Portanto, o impacto seria para os grandes produtores exportadores”, disse a advogada Naiara Bittencourt, da organização Terra de Direitos.   

Além da não arrecadação de tributos pelo Estado brasileiro, a utilização dos agrotóxicos também traz outros prejuízos aos cofres públicos. Estudo publicado na revista Saúde Pública, de autoria de Wagner Soares e Marcelo Firpo de Souza Porto, revela que para cada dólar gasto com a compra de agrotóxicos no Paraná, por exemplo, estima-se gastos de U$$ 1,28 no tratamento de intoxicações agudas. Aquelas que ocorrem imediatamente após a aplicação.

Estudo mostra os custos dos agrotóxicos à saúde

Nesse cálculo não são considerados os gastos com saúde pública em decorrência da exposição constante aos venenos agrícolas, como com o tratamento do câncer. Tampouco os custos decorrentes da poluição ambiental ou ainda da seguridade social decorrente do afastamento por doenças e mortes dos trabalhadores e populações contaminadas. 

Relatório da Abrasco publicado em outubro de 2020 demonstra que, ao contrário do que advoga o agronegócio, os impactos sobre a cesta básica não serão relevantes. Isso porque a perda de lucratividade afetará mais os grandes produtores de commodities, como a soja, milho e cana de açúcar. Além disso, a isenção dificulta a necessária transição do modelo químico dependente do agronegócio para uma agricultura mais sustentável e saudáve,l que protege a saúde das populações e a natureza.