Mudanças climáticas

Ano de 2023 foi típico do que pode ser a realidade em 2050, diz pesquisador do Inpe

Clima ameaçador e imprevisível: enquanto parte do Brasil encara um calor inédito, a região Sul do país volta a se preocupar com as chuvas

Tânia Rêgo/Agência Brasil
Tânia Rêgo/Agência Brasil
Ondas de calor cada vez mais intenso resultam de vários fatores, entre os quais a interferência humana no planeta

São Paulo – O calor extremo, acima da média, a seca severa e chuva volumosa que atingem o Brasil podem ser uma mostra do que o mundo vai enfrentar nas próximas décadas. País vem enfrentando condições atípicas que, no entanto, se encaixam nas previsões científicas para o futuro, caso a comunidade global não atue para frear aquecimento do planeta.

O pesquisador sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), José Marengo, explica que “esse ano pode ser um ano típico do que vai acontecer, por exemplo, em 2050. Uma mostra do que pode acontecer no futuro. E não apenas em termos de aumento de temperatura, mas também sobre enchentes e secas”, diz, em entrevista ao programa Bem Viver desta terça-feira (14).

Marengo é coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão que integra o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o calor extremo que já atingia o Sudeste e o Centro-Oeste desde o fim de semana deve se ampliar a chegar a partes de todo o país ao longo da semana.

São mais de 2,7 mil municípios em situação de grande perigo para altas temperaturas. Milhares deles também estão em alerta para baixa umidade. O Inmet alerta que, em algumas regiões do país, as temperaturas podem ficar até 5 graus mais altas que a média, com riscos para a saúde.

Para o especialista, a explicação desse cenário passa por uma junção de fatores: “São as peças do quebra-cabeça se juntando”. 

“Tem de tudo um pouco. Primeiro, nós temos um fenômeno do El Niño. Esse fenômeno normalmente aquece as águas do Pacífico. O nosso problema agora é que basicamente todos os oceanos estão quentes, incluindo o Atlântico, em geral”, explica o pesquisador, atribuindo ao aquecimento global a intensificação dos fenômenos.

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Fenômeno continental

Segundo Marengo, o Brasil não é o único país afetado. “Conversei com colegas do Peru, Paraguai e Argentina e a situação por lá também está crítica. É um fenômeno continental.”

Ele lembra, também, que a Europa enfrentou situações atípicas neste ano. “No verão do hemisfério norte também tivemos ondas de calor. Nos países Alemanha, Portugal e Itália tiveram ondas de calor, só que eles não são países tropicais. Ou seja, para eles teve um impacto muito grave”.

Enquanto parte do Brasil encara um calor inédito, a região Sul do país volta a se preocupar com as chuvas. Essas condições estão de acordo com as características do El Niño, porém, de maneira mais intensa que a esperada.

Marengo teme que, talvez, o pior ainda não tenha passado. “Se as coisas continuarem evoluindo na forma como está, de fato, nós poderemos ter no Sudeste temperaturas mais altas porque o impacto do El Niño no Sudeste não é tanto nas chuvas, mas nas temperaturas”.

Fazendo uma previsão mais distante, o professor acredita que o clima está encontrando um novo equilíbrio, o que pode ser muito perigoso para a população.

“O clima, agora, é diferente do clima do passado e pode ser diferente do clima do futuro, um clima mais quente, mais seco, mais chuvoso em algumas áreas. E isso pode ser perigoso para nós como seres humanos. O planeta continuará existindo, não vai explodir, só nós como espécies poderíamos desaparecer.”

*Com reportagem de Lucas Weber

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