Justiça climática

Após denúncia na COP26, movimento negro cobra do Brasil o combate ao racismo ambiental

Comitiva mostrou em Glasgow a cor das pessoas que mais sofrem com as mudanças climáticas e agora reivindica a adesão dos governos à contenção da crise

Coalizão Negra Por Direitos/Reprodução
Coalizão Negra Por Direitos/Reprodução
"Quando falamos de racismo ambiental estamos falando de populações negras, indígenas no território brasileiro que têm seus direitos violados a partir de políticas institucionais", explica pesquisador

São Paulo – O movimento negro e quilombola encerrou sua participação inédita na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, na sexta-feira (12), colocando em evidência o conceito de racismo ambiental e denunciando como as mudanças climáticas têm maior impacto em grupos vulneráveis, como os povos indígenas e populações negras e periféricas do Brasil e do mundo. 

De acordo com levantamento da Coalizão Negra por Direitos, ao longo dos 10 dias de conferência, pelo menos 200 notícias citaram o tema. Uma visibilidade alcançada, conforme aponta, pela luta dos movimentos sociais nos últimos anos. Mas, apesar dos compromissos firmados pelas nações em torno de metas para a redução das emissões de carbono e do desmatamento até 2030, isso não confirma uma adesão imediata para contenção da crise climática. É o que destaca o geógrafo Diosmar Filho, doutorando da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador do Iyaleta – Pesquisa, Ciência e Humanidades em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual. 

De acordo com ele, o movimento deve continuar pressionando os governos a cumprir as metas. Pesquisador do racismo ambiental, ele fez um balanço da influência dos problemas nas negociações e cobrou a participação dos estados, municípios e do sistema de justiça na ausência do governo federal.

Dimensão racial na crise

Às vésperas da Cúpula do Clima, representantes do governo de Jair Bolsonaro questionaram junto ao Conselho de Direitos Humanos da ONU o uso do termo. Isso porque o conceito de racismo ambiental havia servido de base em um relatório do órgão. O documento o aponta como “elemento para normalizar a exploração e o descaso. Abrindo oportunidades para se gerar lucro às custas da vida, dos recursos e das terras das pessoas”. 

O que foi negado pelo Brasil. “O governo Bolsonaro apresentou na ONU o que ele é. E essa posição negacionista do governo federal possibilitou abrir um grande debate (…). Mas isso não pode ser um evento, uma posição de momento sobre um governo. A gente precisa entender o que aconteceu com a barragem no rio Madeira”, lembra ele sobre a construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia. O processo levou a expulsão de comunidades ribeirinhas da região.

“Assim como a barragem das terras dos indígenas Munduruku, no Xingu, (no Pará). Precisamos entender o debate todo que acontece em São Paulo com as violências contra populações que não têm o direito à terra. Em que vira e mexe uma favela pega fogo na cidade de São Paulo. Isso está no campo do racismo ambiental, da negação do direito à cidade às pessoas. E isso precisa ser um debate do sistema de justiça que avança no debate do racismo, mas que no racismo ambiental ainda está longe de muitas esferas”, observa o geógrafo. 

Compromissos

A avaliação de Filho é que, mesmo com as garantias conquistadas na Constituição Federal de proteção ambiental, ainda é preciso efetivar o direito das populações tradicionais à terra, à ancestralidade e ao corpo. Durante a COP26, a Coalizão Negra por Direitos ressaltou a titulação de terras quilombolas como uma política de desmatamento zero e de controle do aquecimento global. Desde o início de seu governo, Bolsonaro titulou apenas três territórios quilombolas.

“Quando falamos de racismo ambiental estamos falando de populações negras, indígenas no território brasileiro que têm seus direitos violados a partir de políticas institucionais realizadas principalmente na área ambiental. Aqueles que são as vítimas de processos históricos de contaminação por indústria ou falta de saneamento. Que estão expostos à doença ou contaminação de rios. Aqueles que sofrem a perda de territórios para a mineração e barragens. Ou para a construção de portos que impactam diretamente a área de manguezais, onde tem população negra”, explica. 

“O racismo ambiental demorou para ser uma parte do debate na pesquisa acadêmica. Demorou para ascender a um debate como esse que teve na ONU. Mas agora estamos na fase de trazer ele para a agenda pública do estado brasileiro”, conclui Diosmar Filho. 

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima