Derrubada

Justiça Federal suspende autorização de Bolsonaro para canaviais na Amazônia

Governo fica proibido de reeditar decreto até que apresente estudos técnicos e científicos demonstrando que canaviais não afetam meio ambiente na região

Paulo Lanzetta/Embrapa
Paulo Lanzetta/Embrapa
Lesa-pátria: canavial na Amazônia afeta também serviços ambientais essenciais para a manutenção do abastecimento humano e agricultura das regiões Sul e Sudeste do Brasil

São Paulo – A juíza federal Jaiza Maria Pinto Fraxe, da 7ª Vara da Seção Judiciária do Amazonas, concedeu liminar à ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) no estado contra a União, para revogar o  Decreto 10.084, de 5 de novembro de 2019, que autorizava a plantação de cana de açúcar na Amazônia. Assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, pela ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina (DEM-MS), e o ministro da Economia, Paulo Guedes, o decreto revoga um anterior, o 6.961, de setembro de 2009, em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva instituiu o zoneamento para o plantio da cana e as operações de financiamento ao setor sucroalcooleiro.

Na ação, o MPF pede que a Justiça impeça a reedição de novo decreto sobre o tema até que demonstre, por meio de estudos técnicos e científicos, que a abertura de canaviais na região não vai afetar o meio ambiente do bioma. A Amazônia já vem sendo degradada por desmatamento, queimadas e ação de mineradores e garimpeiros ilegais.

Desastres ambientais

Em seu despacho, a magistrada invocou o artigo 225 da Constituição, que determina que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. “Ademais, a integridade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais, tampouco subordinar-se a motivações meramente econômicas, considerada a disciplina constitucional que privilegia a defesa do meio ambiente.”

E frisou que o momento é oportuno para destacar que “desastres ambientais causam desordem naturais concretas, criam disseminação de pragas e vírus e impactam o ambiente global”. “Foi exatamente o caso do novo coronavírus, que gerou a pandemia da covid-19. A ciência aponta que o vírus responsável pela pandemia atual tem como primeiro portador os morcegos e hospedeiro natural um mamífero silvestre que vive principalmente na Ásia, chamado pangolim. O descontrole entre ambas as espécies – colocadas inclusive como alimentos da espécie humana – gerou o contato do homem com o novo coronavírus e impactou a civilização humana atual, gerando mortes em massa, prejuízos econômicos e sociais sem precedentes.”

Com a decisão, foram restabelecidos os efeitos do Decreto 6.961, de 17 de setembro de 2009, quanto ao zoneamento agroecológico da cana em áreas dos biomas Amazônia, Pantanal e Bacia do Alto Paraguai, terras indígenas e áreas de proteção ambiental para evitar que a produção do etanol incentive o desmatamento.

A ação do MPF foi provocada pelo pesquisador Lucas Ferrante, doutorando do programa de Ecologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ferrante apresentou aos procuradores argumentos baseados em artigos científicos que demonstram a inviabilidade econômica e ambiental da produção de cana-de-açúcar nos biomas – que pode aumentar os índices de desmatamento e comprometer serviços ambientais.

Em um de seus artigos, Ferrante afirma que “os tomadores de decisão, como políticos e as instituições nacionais e internacionais que financiam grandes empresas agrícolas não devem ser enganados pelo doce sabor de uma nova fronteira agrícola a ser explorada. Eles devem ser orientados pela necessidade de evitar a perda da biodiversidade da Amazônia, do patrimônio genético e dos valiosos serviços ecossistêmicos, incluindo a regulamentação climática para a área com a maior população e produção agrícola da América do Sul”,  diz, referindo-se à região Sudeste.

Por isso afirma que a decisão do governo Bolsonaro “é um crime de lesa-pátria que afeta não apenas a maior floresta tropical do mundo e sua biodiversidade, mas também serviços ambientais essenciais para a manutenção do abastecimento humano e agricultura das regiões Sul e Sudeste do Brasil. O impacto afetará a capacidade agrícola do país”.