Mudanças climáticas

Política pública engaja produtores rurais no combate à desertificação do semiárido nordestino

Projeto que envolve quatro ministérios, Embrapa, unidades federativas e universidades vai adotar o mecanismo de remuneração de serviços ambientais para que produtores rurais possam atuar no combate à desertificação

Arquivo Agência Brasil
Arquivo Agência Brasil
Manejo sustentável: ações de combate à desertificação vão envolver até 200 produtores rurais em Gilbués

São Paulo – Uma política pública que está em elaboração por um conjunto de pesquisadores da Embrapa, com apoio do governo do Piauí, quatro ministérios do governo federal e universidades, vai adotar um sistema de remuneração dos produtores rurais por serviços ambientais prestados. O projeto, em fase final de elaboração, vai combater o processo de desertificação do semiárido nordestino. Atualmente, as mudanças climáticas e o aquecimento global ampliam ainda mais as preocupações com a desertificação, que dá sinais de agravamento.

A desertificação é um problema que atinge diferentes regiões no mundo, mas no Brasil se concentra no semiárido nordestino, afetando 13% do território do país. A área sujeita a esse processo compreende 1,34 milhão de quilômetros quadrados em 1.488 municípios de nove estados do Nordeste e alguns municípios do norte de Minas Gerais e do Espírito Santo.

No caso desse projeto de remuneração por serviços ambientais, a área onde a implantação começará é o município de Gilbués (PI), um dos quatro polos de maior desertificação no país. Os outros três são Cabrobó (PE), Seridó (RN) e Irauçuba (CE). A implementação do projeto em Gilbués começa com 50 produtores rurais e depois deve crescer por meio de contratos individuais até chegar a 200 produtores.

O fenômeno da desertificação tem a ver com o processo natural de assoreamento e mudanças do solo, mas também se agrava sob a ação humana, como o tipo de manejo do solo, por exemplo. E agora o que se discute também é a influência do aquecimento global e das mudanças climáticas nesse fenômeno.

Em entrevista à RBA, o pesquisador da Embrapa Sergio Luiz de Oliveira Vilela, com experiência agronomia e implementação de políticas públicas, afirma que o projeto vai em um primeiro momento fazer um levantamento geológico para identificar os tipos de solos do semiárido, bem como a história evolutiva desses solos.

Esse estudo é necessário, segundo Vilela, porque até hoje as ações de mitigação do processo de desertificação naquela área não tiveram propriamente uma base científica. Somente no segundo ano de execução do projeto, quando as bases científicas do avanço da desertificação estiverem estabelecidas, as ações de combate propriamente vão compreender a transferência de tecnologia, de manejo e conservação.

Confira os principais trechos da entrevista com o pesquisador

Como se deu o início do desenvolvimento do projeto?

Na Embrapa, eu conversei com o ministro Wellington Dias, que é daqui do Piauí e é da pasta de Desenvolvimento e Assistência Social, para que a gente pudesse ter uma ação naquela região, utilizando um mecanismo chamado ‘Pagamento por Serviços Ambientais’. Trata-se de um mecanismo ainda pouco utilizado no Brasil, mas já adotado em boa parte do mundo, e que remunera produtores para executarem ações de mitigação, adotando tecnologias voltadas para a conservação do ambiente e até para a recuperação de algumas áreas degradadas.

E isso poderia ser uma ação do Ministério do Desenvolvimento Social, visando gerar alternativas de emprego e de renda em regiões muito pobres e de vulnerabilidade social muito alta, que são presentes no Nordeste, nas zonas rurais do Nordeste do Brasil. E se tem uma região de pobreza no Brasil, as zonas rurais do Nordeste estão presentes nessa relação das mais pobres.

E como o ministro Wellington Dias reagiu ao projeto?

O ministro gostou da ideia e passou para a equipe do Ministério e nós avançamos. Agora estamos numa fase em que descobrimos, quando entramos em contato com a equipe do Ministério, que existia esse convênio nos moldes que precisamos, essa minuta de convênio.

E um plano de trabalho já proposto para a atuação de quatro ministérios, Meio Ambiente, Agricultura, Desenvolvimento Agrário e Desenvolvimento Social, juntamente com o governo do Estado do Piauí, para uma ação lá em Gilbués, só que anteriormente não era utilizado o mecanismo de pagamento por serviço ambiental.

Então, na conversa toda, nós reunimos a equipe da Embrapa, ampliamos essa equipe e hoje está envolvida a Universidade Federal do Pará, a Universidade Federal do Piauí, o Instituto Federal do Piauí e mais quatro unidades da Embrapa: a Embrapa Meio Ambiente, a Embrapa Solos, a Embrapa Territorial e a Embrapa Meio Norte, que é a nossa aqui do Piauí.

Como está a proposta atualmente?

Elaboramos uma proposta. Ela está praticamente pronta, eu só preciso de mais essa semana para fechar, até sexta-feira (12) ela estará fechada, e que vai começar no primeiro ano atuando no estudo da geologia da região.

Fale um pouco sobre as etapas do projeto…

Esse estudo da geologia e da inteligência territorial, que é o monitoramento por satélite, vai recuperar o perfil das paisagens, vai verificar a evolução da paisagem natural nas últimas décadas, juntamente com a geologia, que vai buscar a origem desse solo, quais as características desse solo, como ele foi formado ao longo de períodos históricos.

Então esses dois estudos, eles serão a base científica para o que vem no segundo ano, as ações do segundo ano, que serão de transferência de tecnologias de manejo e conservação. Também será feito entre um ano e outro, ali no final do segundo semestre do primeiro ano, o estudo do perfil dos solos, que é para a gente saber qual é a classificação dos solos que nós temos lá.

Então, no segundo ano, viríamos com o manejo e conservação do solo, as técnicas e as tecnologias, e viríamos também com as ações de produção agropecuária, onde a gente está levando tecnologias para a produção de culturas como feijão, milho e outras que são anuais, e culturas perenes, que é basicamente a fruticultura – goiaba, acerola, maracujá, banana e caju.

E a parte social do estudo?

Paralelamente a tudo isso, essa é a parte que vai me caber, nós vamos fazer o estudo socioeconômico da região, conhecer, entender que tipo de comportamento, de perspectiva socioeconômica têm aquelas comunidades, qual é o seu nível de vulnerabilidade social, como é que elas estão.

Elas lidam com a natureza, ou seja, com os ativos ambientais que elas possuem, que são o solo, a água, as plantas, porque há uma hipótese muito forte de que a forma como esses recursos naturais são manejados é uma das causas da desertificação. Mas não é a única.

Como está o debate sobre a desertificação no meio científico?

Aí tem muita gente, mas muita gente mesmo querendo trabalhar só com essa questão, ensinar os produtores a utilizar técnicas que evitem processos erosivos. Sim, mas aí você está em cima de um solo, de uma estrutura que você desconhece e que mesmo que não haja manejos inapropriados, ela pode passar por processos de desertificação por ocorrências naturais.

Então, nós vamos levar, além da agricultura, também a pecuária que é uma atividade histórica deles lá e nós não queremos mexer com a estrutura do que eles fazem, vamos levar também a pecuária com forragens, com forragens que se adequem a essas condições ambientais da região e com animais também que sejam adaptados a essas condições. Enfim, é um amplo projeto, um grande projeto, que envolve 25 pesquisadores, todos doutores, de quatro unidades da Embrapa. Então, são quatro unidades da Federação, quatro unidades da Embrapa, o governo do Piauí e mais os quatro ministérios, além das universidades.