Ambientalistas avaliam que Código Florestal arranha imagem brasileira

Organizações não-governamentais entendem que cumprimento de metas assumidas pelo governo Lula será mais difícil caso texto aprovado na Câmara seja mantido no Senado

Impacto ambiental brasileiro do novo código florestal preocupa comunidade internacional (Foto: Divulgação Ministério do Movimento Agrário)

São Paulo – Movimentos ambientais entendem que a nova versão do Código Florestal, aprovada na terça-feira (24) na Câmara dos Deputados, compromete a proposta brasileira de uma economia sustentável, os acordos firmados internacionalmente, a inserção no mercado mundial e até mesmo a produtividade agrícola.

No dia seguinte à aprovação do texto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), várias organizações traçaram um panorama desanimador caso o projeto não sofra mudanças durante a tramitação no Senado. Vislumbrando a possibilidade de que a bancada de representantes do agronegócio faça mais uma vez valer sua vontade, essas instituições já apostam na necessidade de que a presidenta Dilma Rousseff se veja obrigada a cumprir a promessa de vetar o projeto ou partes dele. 

“Se Dilma não agir para influenciar as decisões do Congresso no sentido de manter a proteção à nossa biodiversidade, seu governo terá sucumbido aos interesses do agronegócio, comprometendo a posição internacional do país”, destacou Paulo Adario, diretor da Campanha Amazônia do Greenpeace, em reportagem publicada no site da organização não-governamental. 

Na Câmara, o Palácio do Planalto sofreu muitas pressões e acabou duplamente derrotado. Primeiro, ao vislumbrar a possibilidade de derrota na votação das mudanças no Código Florestal, autorizou a votação em plenário. Na sequência, a contragosto da presidenta, foi aprovada a Emenda 164, apresentada pelo PMBD, integrante da base aliada. A emenda, em linhas gerais, devolve ao projeto o que havia sido retirado a pedido do Poder Executivo, dando maior autonomia aos estados na legislação ambiental.

A regularização do uso de Áreas de Preservação Permanente (APPs) para plantio e pasto é um dos piores pontos para o governo, que tampouco gostaria de assistir ao perdão aos desmatadores. Todos os que degradaram APPs até julho de 2008 ficarão dispensados de fazer a recomposição da área estarão livres de multas. “Esse é o pior dos mundos, pois o nível de exigências foi enfraquecido sem assegurar que a lei seja implementada, que os produtores terão apoio ou condições reais para atingir a regularização ambiental”, disse o superintendente de Conservação do WWF-Brasil, Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza, em comunicado emitido pela entidade. 

Márcio Santilli, coordenador do Instituto Socioambiental, acrescenta que proprietários podem promover o fracionamento artificial de suas propriedades para se enquadrarem à anistia a todas as propriedades de até quadro módulos fiscais. “Somente aqueles que cumpriram a legislação vigente e mantiveram as suas reservas legais estariam obrigados a manter áreas com cobertura florestal em suas propriedades e acabariam punidos pela anistia indiscriminada concedida aos desmatadores”, pondera em artigo.

Produtividade e compromissos

O discurso ruralista no Congresso sustenta que é preciso autorizar a utilização de áreas já desmatadas para assegurar a produtividade e a qualidade de vida na zona rural. A leitura de ambientalistas é exatamente oposta.  

Representantes da Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Fetraf-CUT) em visita a Brasília rechaçaram o discurso dos representantes do agronegócio, lembrando que é nas pequenas propriedades que se produz a maior parte dos alimentos consumidos no país. O agricultor José Bertolino, de 44 anos, diz que mais de 20% de sua propriedade de 16 hectares, plantados com feijão e milho, no município de São Mateus do Sul, são reservados às áreas de proteção ambiental. “Mudanças no Código Florestal vão favorecer grandes agricultores. Se forem beneficiados com isenções de multas e anistia pelo que já desmataram, será um atraso na lei”, argumentou. Bertolino disse à Agência Brasil que sua expectativa, agora, é que o agricultor que mantiver áreas protegidas acima do que prevê a legislação seja compensado com pagamento pelos serviços ambientais.

Um estudo divulgado pela Universidade de São Paulo (USP) mostrou que as áreas cultiváveis no Brasil podem ser dobradas sem a derrubada de uma árvore sequer. A chave está na melhor utilização das áreas de pastagens. No quadro atual, cada cabeça de boi no Brasil ocupa, em média, um hectare, o que significa que há 61 milhões de hectares de terras de elevada e média aptidão que poderiam ser utilizadas para plantios. Por isso, a aprovação do novo Código Florestal, ao possibilitar o aumento do desmatamento, é vista como um tiro no pé dos produtores, que a médio e longo prazo podem ter sérios problemas com recursos naturais. A principal questão é a água, já que o texto de Rebelo reduz as exigências de conservação da mata ciliar, o que pode provocar assoreamento e redução dos leitos dos rios. 

Além disso, há setores do mercado internacional que exigem rigorosa certificação sobre a procedência dos produtos, o que poderia significar uma séria restrição aos agricultores brasileiros envolvidos em violações ambientais. “A aprovação da atual proposta de reforma do Código Florestal é uma imensa oportunidade perdida para assegurar uma produção brasileira em bases mais sustentáveis. Esse seria um diferencial decisivo para a aceitação de nossos produtos no mercado internacional. Mas, se forem associados ao aumento do desmatamento e ao aquecimento global, perderemos acesso a mercados”, prevê o superintendente do WWF. 

No campo das relações internacionais, no entanto, o maior impacto pode se dar nos acordos firmados pelo Brasil. O governo Lula assumiu, durante a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em 2009, o compromisso de reduzir em 80% a redução do desmatamento na Amazônia e de cortar em um bilhão de toneladas até 2020 a emissão de gases que provocam o efeito estufa. Para o Greenpeace, a decisão da Câmara coloca em xeque a credibilidade brasileira para sediar, no ano que vem, os debates do Rio+20. “A capacidade do Brasil de liderar uma ação global contra o desmatamento e as mudanças climáticas está sob sérias dúvidas”, diz Adario

Efeito desmatamento antecipado

Tanto o governo quanto as organizações socioambientais já trabalham com a perspectiva de uma reversão na trajetória do desmatamento, que chegou em 2010 ao menor índice da medição histórica iniciada na década de 1980. Entre março e abril deste ano, o desmatamento na Amazônia Legal chegou a 593 quilômetros quadrados, um aumento de 472,9 por cento em relação ao mesmo período do ano passado.

A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, viajaram nesta quarta-feira (25) ao Mato Grosso para analisar ações que devam ser tomadas para frear o aumento da derrubada, em especial naquele estado. O Ibama havia alertado para o aumento do desmatamento na região e indicava que a perspectiva de aprovação das mudanças no Código Florestal estava incentivando produtores a descumprir a lei. 

“Vamos cruzar as informações federais com as estaduais. Quero saber onde o Estado autorizou o desmatamento. A responsabilidade é do Estado, mas as informações precisam ser compartilhadas”, afirmou a ministra do Meio Ambiente.