Vannuchi diz que ruralistas distorcem lei para barrar luta contra trabalho escravo
Colunista da Rádio Brasil Atual diz que projeto de Romero Jucá tenta, 'de contrabando', atender bancada ruralista 'atrasada' e evitar destinação à reforma agrária de terras com flagrante de escravidão
Publicado 06/11/2013 - 19h13
São Paulo – O analista político Paulo Vannuchi avalia que o debate sobre a Proposta de Emenda Constitucional 438, de 2001, a chamada PEC do Trabalho Escravo, está dominada por distorções levadas ao Congresso pela bancada de representantes do agronegócio, a mais numerosa do Legislativo brasileiro.
Após uma penosa tramitação na Câmara, com uma distância de oito anos entre a primeira e a segunda votação, a proposta estancou no Senado graças à atuação dos ruralistas, que entendem que o conceito de trabalho escravo não está bem definido, o que poderia levar a interpretações tendenciosas do fiscal do trabalho para prejudicar o proprietário, que perderia suas terras por um relatório injusto. “A mentira e a distorção são velhas práticas nesse debate”, disse o colunista da Rádio Brasil Atual em seu comentário hoje (6). “Não há casos reais em que as pessoas tenham sido resgatadas do trabalho escravo por bobagens, como a espessura do colchão em que dormia, e sim quando se caracterizam as várias situações da escravidão pela dívida, da humilhação, de condições insalubres, o trabalho exaustivo, penoso e abusivo na jornada, a quebra do direito de ir e vir, inclusive a violência física.”
A ponta de lança da nova ofensiva do agronegócio é o projeto de lei do senador Romero Jucá (PMDB-RR) que visa a remodelar o conceito de trabalho escravo, já definido pelo Código Penal. O parlamentar aproveita para decidir em sua proposta que apenas após esgotados todos os recursos a terra poderia ser expropriada e destinada à reforma agrária. Inicialmente, a vontade dos ruralistas era votar este projeto e deixar para depois a PEC, mas, após negociações com o governo, ficou definido que a emenda constitucional será apreciada antes.
“Agora, o relator Romero Jucá, do PMDB, introduz esse contrabando para atender essa bancada ruralista atrasada que distorce, que diz que autuação contra trabalho escravo é porque não tinha beliches, não tinha colchões de espessura adequada. Isso não é verdade. Isso é a mesma argumentação do período da outra escravidão que terminou com a Lei Áurea da princesa Isabel, de 1888”, avalia Vannuchi.
O analista foi ministro da Secretaria de Direitos Humanos no governo Lula e presidiu a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). Ele entende que houve uma evolução desde a promulgação da Constituição, em 1988, e em especial de 1995 para cá, com o aumento da fiscalização e a criação de novas medidas de combate à prática, enraizada em alguns setores produtivos brasileiros, herdeiros diretos da mentalidade que garantiu três séculos e meio de escravidão “legal” no país.
“É preciso que a PEC seja aprovada, removido esse contrabando”, defende. “O governo fica muito tímido diante disso e a presidenta Dilma precisa do apoio parlamentar do PMDB, porque o seu partido, o PT e seus aliados mais firmes, não têm votos suficientes para constituir maioria parlamentar para que o governo siga exitoso em um regime democrático. O PMDB traz uma imensa bancada ruralista, e nessa bancada existem esses elementos mais retrógrados que conseguiram convencer o senador Jucá a introduzir essa proposta que altera e desvirtua inteiramente a PEC.”
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