Ernesto Sabato, um humanista cético

Escritor argentino foi responsável pelo relatório que denunciou os assassinatos da ditadura de seu país. Ele morreu sábado, aos 99 anos

São Paulo – Quase 20 anos atrás, o escritor argentino Ernesto Sabato foi convidado para uma série de conferências em uma universidade norte-americana. Recusou, porque isso o faria perder um asado para sócios do clube Defensores de Santos Lugares, diante de sua casa, “onde meus filhos jogavam quando eram pequenos”. E foi na sede do clube que o corpo de Sabato foi velado neste sábado (30), “justo em frente de casa do centenário jardim de ciprestes e araucárias”, conforme descrição do jornal Página 12. Para alguns o último grande nome da literatura argentina, Sabato morreu em consequência de uma bronquite, aos 99 anos. Já estava prevista para este domingo (1º) uma homenagem a ele na sala Jorge Luis Borges da Feira do Livro de Buenos Aires.

Autor de obras como O Túnel (1948), Homens e Engranagens (1951) e Sobre Heróis e Tumbas (1961), Sabato também se destacou por sua atuação em defesa dos direitos humanos. Em 1984, durante o governo Raúl Alfonsin, presidiu a Comissão Nacional sobre Desaparecimento de Pessoas (Conadep). Ali, redigiu o relatório Nunca Más, também conhecido como Relatório ou Informe Sabato. 

Sabato foi criticado por ser um dos escritores que, em 1976, compareceu a almoço com o general Jorge Rafael Videla, no início da ditadura que se estendeu até 1983. “Por aqueles dias, passaram por minha casa vários argentinos angustiados, incluindo pais e mães de desaparecidos que me rogavam, muitas vezes entre soluços, que falasse ao presidente por todos os que não podiam fazê-lo, na vaga esperança de que Videla pudesse influir sobre os militares mais implacáveis”, escreveu em sua defesa.

Defensor da vida, confessou em 1992 à revista Newsweek que tentou o suicídio duas vezes. “A arte me salvou, e por isso minha arte é trágica”, declarou. Mas sua obra reservou espaço para a resistência e a esperança, como demonstra este trecho de Homens e Engranagens:

Por que buscar o absoluto fora do tempo e não nesses instantes fugazes mas poderosos nos quais, ao escutar algumas notas musicais, ou ao ouvir a voz de um semelhante, sentimos que a vida tem um sentido absoluto?

Este é para mim o sentido da esperança e o que, apesar de minha sombria visão da realidade, me soergue para a luta.