São Paulo

Morreu o Arnesto, que nunca convidou Adoniran para um samba no Brás

Personagem de uma das mais famosas músicas do autor de 'Trem da Onze', Ernesto Paulelli faria 100 anos em dezembro. 'Era uma memória viva da cidade. E tinha uma bela história de vida', diz biógrafo de Adoniran

nil andrade/jornal do brás

Enterro de Ernesto deve ser realizado na manhã desta quinta-feira (27), no Cemitério do Araçá

São Paulo – Dez em dez paulistanos conhecem as músicas de Adoniran Barbosa, mas algumas se destacam, como, claro, Trem das Onze. Outra marca registrada é o Samba do Arnesto, aquele que convidou uma turma para um samba no Brás, mas deu o cano em todos. Hoje (26), de parada cardiorrespiratória, morreu o Arnesto, ou Ernesto Paulelli, aos 99 anos. Faria 100 em dezembro. Nasceu no Brás, mas morava na Mooca, outro tradicional bairro operário paulistano, em um sobrado numa ruazinha pertinho do estádio do Juventus. Áreas povoadas por imigrantes italianos, como eram os pais de Ernesto/Arnesto.

Ele mesmo dizia que tinha sido “rebatizado” por Adoniran. A música é de 1955. Mas eles se conheceram em 1938, na rádio Record. E lá o compositor já “mudava” o nome e avisava que ia fazer um samba – que só saiu 17 anos depois. Foram amigos até a morte de Adoniran, em 1982.

Em uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em 2010, no sobrado onde morava e onde sempre tocava um relógio-cuco, ele mostrou lucidez e contou que estudava diariamente (“português, filosofia, matemática”). Trabalhou no comércio e conseguiu se diplomar em Direito aos 60 anos, depois de fazer o curso de madureza.

Na mesma entrevista, ele chorou algumas vezes. Explicou que ficava comovido com as lembranças. “Tenho saudade das noitadas que passei tocando violão nas cantinas de São Paulo.”

Ernesto ganhou uma espécie de “continuação” do samba, composta por Nando Távora e Sonekka, o Sobradão do Arnesto: O Arnesto mora na Mooca/ Tá aposentado, tem saudade da maloca.

Biógrafo de Adoniran, o jornalista Celso de Campos Jr. conta que Ernesto gostava muito de contar a história da música. “Ele incorporou, e se divertia com isso. Falava com muita saudade do Adoniran, tinha orgulho de virar personagem de uma música que virou um símbolo de São Paulo.” Três semanas atrás, Celso se prepara para visitá-lo, mas a filha de Ernesto, Valéria, disse que ele não estava bem de saúde, embora conservasse a lucidez.

Essa foi uma das características que chamou a atenção de imediato, quando o jornalista conheceu o personagem, no começo da década passada. “Ele estudava Latim e Matemática todas as manhãs, fazia flexões de braços. Dizia que (estudar) era o único jeito de crescer.”

Além disso, encontrar o Arnesto – ou o Ernesto – era o mesmo que ter uma aula da história de São Paulo: “Era uma memória viva da cidade”.

A trajetória de Ernesto confunde-se com a de tantos imigrantes que vieram para cá em busca de uma vida melhor. Foi engraxate, vendeu chuchu, trabalhou duro. “E o cidadão Ernesto tem uma história de vida muito bonita. É um cara que venceu sozinho na vida, com muito trabalho, sem passar por cima de ninguém. E apegado à família. Um dos grandes baques foi ter perdido a esposa, Alice.”

O enterro deve ser realizado na manhã desta quinta-feira (27), no Cemitério do Araçá.

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