O popular e o erudito da música brasileira em show e livro

São Paulo – Nesta sexta-feira (4), a partir das 22h, a Orquestra Philarmônica São Paulo (OPSP), com direção artística e regência do maestro Solielson Goethe, encontrará o cantor sertanejo e romântico […]

São Paulo – Nesta sexta-feira (4), a partir das 22h, a Orquestra Philarmônica São Paulo (OPSP), com direção artística e regência do maestro Solielson Goethe, encontrará o cantor sertanejo e romântico Daniel no palco da Via Funchal, um dos mais nobres de São Paulo. No repertório, os maiores sucessos do artista, como “Desejo de Amar”, “Estou Apaixonado”, “Pra Falar a Verdade”, “Adoro Amar Você”, “Me Guardo Pra Você”, “Tenho Que Sonhar” e “Tá no Coração”, entre outras.

Esse show traz à tona uma relação de aproximação e afastamento entre a dita música erudita e/ou mais culta e a mais popular, que é muito bem retratada no recém-lançado livro “Histórias Paralelas 50 Anos de Música Brasileira”, do jornalista Hugo Sukman, publicado pela Casa da Palavra. Em edição bilíngüe e de luxo, com capa dura e papel especial, e acompanhada por um CD, a obra começa retratando três marcos da dita música popular brasileira – o primeiro LP da cantora Elis Regina, de 1966; o show de integrantes da Bossa Nova no nova-iorquino Carnegie Hall, em 1962; e a montagem do espetáculo “Orfeu da Conceição”, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1956.

A partir daí, Hugo Sukman traça, com a maestria de quem conhece profundamente a música popular brasileira, as várias linhas mestras que correm paralelas nessa história e se encontram e se afastam em muitos momentos. Não é à toa que o primeiro capítulo é destinado ao samba, destacando, por exemplo, a importância do Zicartola, restaurante aberto por Cartola e Dona Zica, e que se tornou um foco importante de produção cultural, reunindo nomes como Nelson Cavaquinho, Dona Ivone Lara, Clementina de Jesus, Paulo César Pinheiro e Paulinho da Viola; e do Cacique Ramos, de onde surgiram nomes como Jovelina Pérola Negra, Zeca Pagodinho e Arlindo Cruz e Sombrinha, entre outros.

Correndo por fora das linhas dominantes e dissonantes da música popular brasileira dos anos 60, por exemplo, o samba foi o ritmo que melhor soube dialogar com as duas. De um lado, a denominada Música Popular Brasileira reunia nomes como Chico Buarque, Edu Lobo e Elis Regina, entre outros, que procuravam resgatar a tradição da música realizada no país e dar com ela um passo adiante, esbanjando canções com forte preocupação política e social, num período marcado pelo início da ditadura militar. De outro lado, bebendo da mesma influência da Bossa Nova, havia os tropicalistas, liderados por Gilberto Gil e Caetano Veloso, que queriam misturar a música brasileira com a cultura pop internacional e com o que era denominado cafona pela intelligentsia brasileira, caso da Jovem Guarda. Alguns artistas circulavam tranquilamente pelas duas vertentes, caso de Nara Leão e Maria Bethânia, entre outros.

O terceiro capítulo do livro e talvez o que mais nos interesse aqui tem o título “Na Boca do Povo – Jovem Guarda, Novelas e o Brega” e demonstra como os formadores de opinião e as classes mais altas da sociedade brasileira provocaram uma cisão na música brasileira, definindo o que era de bom ou mau gosto, torcendo o nariz para o que era adorado pelo povo, caso da Jovem Guarda, de Roberto e Erasmo Carlos, nos anos 60 e que Suckman considera a maior influência para a atual música sertaneja, da qual Daniel faz parte; de artistas como Waldick Soriano e Odair José, nos anos 70, mas isso também já ocorrera com Luiz Gonzaga, responsável por outra revolução no interior da música brasileira.

Luiz Gonzaga é uma referência importante para os tropicalistas, mas principalmente para os artistas que surgem influenciados por eles e/ou vindos do Nordeste nos anos 70, caso dos Novos Baianos, do alagoano Djavan, dos pernambucanos Geraldo Azevedo e Alceu Valença, dos paraibanos Elba Ramalho e Zé Ramalho, e dos cearenses Fagner, Belchior e Ednardo. O trabalho deles desembocaria na lambada e no axé das últimas décadas, revelando nomes como Daniela Mercury, Olodum, Carlinhos Brown, Timbalada, entre outros, que se expressão principalmente através do Carnaval, mas também no manguebeat, de Chico Science & Nação Zumbi, e Mundo Livre S/A.

Ao mesmo tempo, o Brasil realiza uma música instrumental de primeiríssimo time, que passa praticamente despercebida do grande público, mas é reverenciada mundialmente, com nomes como Hermeto Paschoal (saído do Quarteto Novo), Dori Caymmi, Moacir Santos, João Donato e Tamba Trio, entre outros, que também vão se manifestar nos festivais de música popular da televisão, no mesmo momento em que há uma forte cisão entre os tropicalistas e os emepebistas. Esse conflito tão intenso que quase levará o jovem Paulo César Pinheiro a desistir da música para sempre, como conta, ao ver Gilberto Gil chamar Chico Buarque de ultrapassado. Curiosamente, Chico e Gil comporiam várias canções juntos, caso da marcante “Cálice”, uma das mais ácidas e fortes críticas ao regime militar.

Os festivais também serão ocupados por dois artistas que apontarão novas tendências importantes na música brasileira. O primeiro é Milton Nascimento e o seu Clube da Esquina mineiro, que dará origem ao pop rock dos anos 90, com bandas como Skank, mas também influenciará a música mais erudita brasileira. E o segundo é Jorge Benjor, com seu sambalanço, que terá continuidade com o trabalho de artistas dos anos 70, como Tim Maia, e influenciará novos compositores e grupos, desde a cantora Marisa Monte até o grupo de hip hop Racionais MCs, passando pelo rock dos anos 80. Porém, justamente aí encontra-se a única grave lacuna de Seickman – não enxergar a importância do pop rock dos anos 80 e 90 para o desenvolvimento da música brasileira, com nomes como Titãs, Barão Vermelho, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso e Cássia Eller, sequer citados na obra.

Serviço
Sexta-feira, 4 de novembro, a partir das 22h. Ingressos de 80 a 250 reais.
Via Funchal – Rua Funchal, 65. Vila Olímpia. T: (11) 3846-2300