‘Não há registro de experiência de sucesso no combate às enchentes em São Paulo’

Enchentes como a do Jd. Pantanal, no início de 2010, podem se repetir nesse verão (Foto: Ronaldo Souza/Divulgação) Com a proximidade do verão, os moradores de São Paulo começam a […]

Enchentes como a do Jd. Pantanal, no início de 2010, podem se repetir nesse verão (Foto: Ronaldo Souza/Divulgação)

Com a proximidade do verão, os moradores de São Paulo começam a imaginar qual será o grau de incômodo que a temporada de chuvas vai trazer à cidade: apenas alguns pontos isolados de alagamento ou tragédias como a do Jardim Pantanal no início de 2010, bairro que ficou quase dois meses embaixo d’água? Algumas dicas podem ajudar a responder essa questão. Infelizmente, o prognóstico não é nada favorável.

Em primeiro lugar, dados do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) mostram que até dezembro as chuvas na capital paulista devem ser 20% maiores do que a média histórica para o período. O motivo para essa previsão é o fenômeno La Niña, que é o resfriamento das águas do Pacífico.

Outro dado que dá uma ideia do que o verão trará é o andamento das obras de combate às enchentes que estão sendo realizadas na cidade pela Prefeitura e pelo Governo do Estado. Uma matéria do Estadão mostra que essas ações estão atrasadas e não devem contribuir para diminuir o tormento dos paulistanos.

Para esclarecer os fatos relacionados às enchentes, conversei com o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor de planejamento e gestão do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas). Entre os assuntos estão a pertinência das ações públicas de combate às enchentes e medidas simples para aumentar a permeabilidade da cidade, que não exigem grandes obras mas são deixadas de lado.

DU – De uma maneira geral, quais as causas para as enchentes de São Paulo?

Não há hoje mais a menor dúvida sobre quais sejam as causas essenciais das enchentes da metrópole paulistana e de outras grandes cidades brasileiras: a impermeabilização generalizada da cidade, o excesso de canalização de cursos d’água e a redução da capacidade de vazão das drenagens pelo assoreamento provocado pelos sedimentos que provém dos intensos processos erosivos que ocorrem nas frentes periféricas de expansão urbana. Em resumo, são volumes maiores de água, em tempos menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão.

Para se ter uma ideia da dimensão desse problema da impermeabilização, considere-se que o Coeficiente de Escoamento – índice que mostra a relação entre o volume da chuva que escoa superficialmente e o volume que é retido no terreno – na cidade de São Paulo está em torno de 85%; ou seja, 85% do volume total de uma chuva escoa superficialmente comprometendo rapidamente o sistema de drenagem. Em uma floresta, ou um bosque florestado urbano, acontece exatamente o contrário durante um temporal, ou seja, cerca de 80% do volume das chuvas é retido.

Qual sua opinião sobre a construção de piscinões para a contenção das enchentes?

Os piscinões não são mais que grandes reservatórios que armazenam as águas de chuva em um momento crítico de alta pluviosidade. Em um episódio de chuva intensa, uma parte das águas de um córrego é desviada para o enchimento do reservatório (piscinão), aliviando naquele momento crítico o córrego e as drenagens de um determinado volume de água. Passado o pico das chuvas, as águas do reservatório seriam liberadas lentamente. Um raciocínio perfeito do ponto de vista hidráulico. O grande problema é que, diferentemente das cidades de países desenvolvidos que o adotam, a metrópole paulista (e outras metrópoles brasileiras) apresenta dois fenômenos gravíssimos, que obrigam técnicos, administradores públicos e sociedade entenderem o piscinão como a última das alternativas a ser adotada: a perigosa carga de poluição de suas águas superficiais e a fantástica carga de sedimentos, originados especialmente da erosão nas zonas periféricas de expansão urbana que, acrescidos de lixo e entulho de construção civil, acabam por assorear e entulhar todo o sistema natural e construído de drenagem, inclusive os piscinões.

Assim, ao lado de seus esperados efeitos positivos, os piscinões ocupam áreas urbanas nobres e comportam-se como verdadeiros atentados urbanísticos, sanitários e ambientais, além de impor um custo alto de implantação e manutenção. Ou seja, são expedientes de engenharia que exigem que uma decisão sobre sua implantação seja anteriormente submetida a exigentes ponderações técnicas, econômicas, ambientais e sociais, e não simplesmente apoiada em modismos tecnológicos, como vem acontecendo atualmente.

E a ampliação das calhas, é necessária?

São fundamentais, mas não conseguem ser suficientes para evitar as enchentes, exigindo que um grande elenco de medidas não estruturais, que atuam diretamente sobre as causas das enchentes, sejam complementarmente adotadas.

Considerando o todo, como está o combate às enchentes em São Paulo?

Infelizmente não há registro de nenhuma experiência exitosa no combate às enchentes na metrópole paulista. Podemos dizer que se não houvesse sido providenciada a ampliação da calha do rio Tietê as coisas estariam bem piores, mas não se pode dizer que foi uma guerra ganha. Aliás, pelo enorme volume de sedimentos, provenientes especialmente das erosões nas frentes periféricas de expansão urbana, que chegam ao rio, assoreando seu leito e reduzindo enormemente sua capacidade de vazão, pode-se dizer que grande parte do ganho de aumento de vazão conquistado pelas caríssimas obras de ampliação está seriamente comprometido.

 

Amanhã, a segunda parte da entrevista mostrará quais são as medidas que poderiam ser tomadas imediatamente para o controle das enchentes.