Sem explicações da Zara, deputados defendem CPI do trabalho escravo

Representante no Brasil da marca de roupas espanhola não atende convite do Legislativo. Convocação de uma CPI obrigaria comparecimento, mas líder do governo quer impedir comissão

São Paulo – O representante brasileiro da marca de roupas espanhola Zara, Enrique Huerta González, não compareceu à audiência pública convocada para esta quarta-feira (31) na Assembleia Legislativa de São Paulo. Ele havia sido convidado pela Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana para explicar a posição da empresa em relação às denúncias de utilização de trabalho escravo nas confecções de suas peças. A alegação para a ausência foi um compromisso internacional. Por ser um convite, ele não era obrigado a comparecer.

Advogados da Zara presentes à audiência alegaram que o tempo entre o convite e a audiência era muito curto. “O sr. González está no exterior e devido ao curto período de tempo do convite, fica impossibilitado de desmarcar o compromisso internacional”, alegou a empresa em comunicado. A nota da empresa pediu transferência da audiência para o dia 23 de setembro ou alguma data posterior. A linha de defesa adotada pela Zara é de que a confecção na qual ocorreu o flagrante era uma prestadora de serviços terceirizada.

O deputado estadual paulista Carlos Bezerra (PSDB) foi quem protocolou o convite na Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Assembleia Legislativa. Sem as explicações de González, tanto Bezerra quanto outros parlamentares passaram a fazer coro à demanda de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para tratar de investigar práticas de trabalho análogo ao de escravidão no estado. O líder do governo na Casa, deputado Samuel Moreira (PSDB), foi contra.

“Eles não estão aqui porque não temos a retaguarda de uma CPI. Quando tivermos uma CPI teremos todos eles sentados aqui prestando esclarecimentos”, disparou Bezerra. Uma comissão do gênero teria a prerrogativa de aprovar uma convocação que, se descumprida, implica sanções legais. O deputado tucano aproveitou o palanque para atacar a multinacional espanhola, dizendo que “empresas que não respeitam nem os direitos humanos básicos de seus trabalhadores, não respeitam a sociedade e nem essa Casa”, se referindo à Assembleia Legislativa.

O deputado Enio Tatto (PT) também se mostrou a favor de uma investigação mais profunda do caso. “A única forma de convocar realmente os donos dessas empresas é através de uma CPI”, garantiu. Ele ainda criticou as “estranhas razões” do deputado Samuel Moreira para se opor à abertura da Comissão.

A alegação do líder do governo foi de que as CPIs precisam ser abertas por ordem cronológica. A posição contraria uma carta-compromisso assinada pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), ainda durante a campanha eleitoral, se comprometendo a combater o trabalho escravo no estado. Por outro lado, segue a linha adotada no pós-eleições, quando a base ligada ao Palácio dos Bandeirantes manobrou para evitar a instalação de comissões que pudessem provocar incômodos ao Executivo.

Outro convidado para debater o tema na Assembleia, o blogueiro e jornalista Leonardo Sakamoto, da ONG Repórter Brasil, lembrou que o trabalho escravo pode ser encontrado em todo o país, tanto na lida urbana quanto rural. Ele citou algumas marcas que já tiveram funcionários ou funcionárias resgatadas do regime de trabalho escravo, como Marisa, Pernambucanas e 775.

A legislação brasileira prevê responsabilidade solidária entre a empresa que contrata o funcionário em condições precárias e a que firma acordo com a prestadora de serviços. Em outras palavras, tanto a Zara quanto os responsáveis pela confecção flagrada praticando irregularidades poderiam responder judicialmente pelo caso.