Chefe da Corregedoria da PM de São Paulo minimiza desvios na corporação

Em entrevista exclusiva à RBA, major Marcelino Fernandes afirma que 400 óbitos de civis em supostos confrontos com PMs é pouco frente ao trabalho desenvolvido e defende legislação civil mais dura

Major Marcelino Fernandes: “O povo quer a resposta da violência no olho por olho e dente por dente” (Foto: Arquivo Folhapress)

São Paulo – O chefe do departamento técnico da Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo, major Marcelino Fernandes, minimiza os abusos cometidos pelos agentes da segurança pública no estado e defende que a corporação tem regras muito mais rígidas do que a legislação vigente para civis. Para ele, o número de mortos em supostos confrontos com policiais no ano passado, 400, é pequeno frente ao efetivo em atividade. “Se você pegar 100 mil, próximo de 100 mil, 96 mil policiais, é muito pouco”, afirma em entrevista à RBA.

Segundo números encaminhados pela Corregedoria, 665 policiais passaram por processo disciplinar que poderia levar à exclusão no ano passado. Desses, 358 foram efetivamente excluídos, o equivalente a 54%; 12% tiveram punições mais leves, e 34% dos casos foram arquivados. (Leia mais detalhes emMetade dos policiais paulistas investigados em 2012 foi expulsa da corporação). Para o major, a PM paulista tem um alto grau de punição interna, e o problema a ser discutido é a criminalidade. “Se você não encarcerar e continuar com o regime aberto, semiaberto, progressões de regime, saídas temporárias, indulto, obviamente aumenta o confronto”, diz.

Confira a seguir trechos da entrevista.

Os números apresentados pela Corregedoria correspondem à situação real da PM?

Esses processos são os de exclusão. Existem outras transgressões que não aparecem aí e que são processadas, punidas e executadas pelos respectivos comandantes. Esses procedimentos disciplinares chegam ao número de 15 mil processos – chegar atrasado, atender mal a uma ocorrência, faltar ao serviço, estar mal fardado, mal barbeado, a policial estar com o cabelo tingido de cor diferente do documento de identificação.

Esses números divulgados mostram as faltas graves e mesmo nessas faltas graves há um índice grande de arquivamentos. Porque elas são absolvidas em julgamentos [comuns]. A justiça comum absolve muito mais do que a justiça militar. Se você pega um caso de execução que a mídia passou, por exemplo, um policial dando um tiro, o que acontece? Esse policial será demitido. Porém, eu não garanto que ele será condenado no júri. Porque o júri é formado por pessoas do povo e, se você fizer uma pesquisa entre as pessoas de baixa renda e baixa escolaridade, elas vão dizer que bandidos têm de morrer. E por isso as absolvições no tribunal do júri têm sido maiores do que na época do tribunal militar.

Por quê?

O povo quer a resposta da violência no olho por olho e dente por dente. Se você fizer uma pesquisa rápida, irá ver que os benefícios dos marginais são muito grandes em relação aos direitos de um trabalhador, de um jornalista, por exemplo – semiaberto, saída provisória, indulto de natal, saída íntima. Você não tem parlatório nos presídios (vidros em que o preso tem apenas contato por telefone com visita). Somente o estado de São Paulo tem isso em alguns presídios de segurança máxima. Nenhum federal tem. Existe um Congresso que faz as leis que estão correspondendo. Existem muito mais CPIs, é uma briga para participar delas, porque aparece na mídia. O Congresso se torna uma grande delegacia que investiga os próprios delitos, e as leis acabam trazendo benefícios para a marginalidade. Na Polícia Militar tem-se um reflexo contrário. Tem uma corregedoria forte há mais de 50 anos. Se perguntar para qualquer advogado que atua na corporação como defensor, ele vai falar que nós somos mais rígidos do que a própria sociedade. Se você pegar qualquer instituição não terá essa quantidade de demissões. Qualquer uma, pode pegar, eu desafio: nenhuma. A instituição é forte porque tem uma corregedoria forte.

Mas mesmo tendo esse número expressivo de investigações e punições, ainda há muitos indícios da participação de policiais em diversos crimes.

Você tem mais de 17 mil presos recapturados. Prisões em flagrante delito são 80 mil. Armas apreendidas, mais de 15 mil. Menores infratores recapturados ou apreendidos, mais de 6 mil. Se você pegar a quantidade de pessoas mortas em confrontos com a polícia no ano passado, são 400. Então perto de 100 mil prisões, 400 mortes não chega a 1%. Mas nós trabalhamos com vidas.

Se você pegar 100 mil, próximo de 100 mil, 96 mil policiais, é muito pouco. Você tem um poder coercitivo de um serviço prestado de combate. Então quando você está no combate e tem uma legislação frágil, estimula o cometimento de ilícitos. E com a marginalidade não estando encarcerada. Bill Clinton (ex-presidente dos Estados Unidos) construiu um presídio por mês em seus oito anos de governo (1993-2001) e diminuiu a criminalidade dos Estados Unidos. Se você não encarcerar e continuar com o regime aberto, semiaberto, progressões de regime, saídas temporárias, indulto, obviamente aumenta o confronto.

Mas nós já temos uma das maiores populações carcerárias do mundo.

A estatística da população carcerária é mentirosa. Se você pedir esses números hoje virá todo mundo que está no semiaberto e no aberto. Se você pedir somente a do regime fechado, vai tomar um susto. Vai pensar: ‘Nossa, só isso?’. Então é exatamente o contrário. Lógico, para institutos internacionais você vai falar que tem um monte de presos, mas quando vai ver o tipo de prisão que a pessoa tem, é um sexto da pena, um terço da pena. Uma coisa absurda.

Em muitos casos em que há indícios da participação de policiais em assassinatos, não há sinais de confrontos. O que se tem são suspeitas de policiais cometendo atos ilícitos, fazendo acerto de contas, envolvidos com tráfico de drogas. Ainda assim, o senhor acha que é uma questão de confronto, de problemas na política de encarceramento?

Você tem de analisar sob vários enfoques. Você tem uma legislação frágil, o que revolta a sociedade. Quando você vê uma pessoa sendo assaltada e morta, a população pede o quê? Justiça não é isso? Mas se eu fosse da sociedade civil, eu ia fazer uma faixa pedindo leis, não justiça. Porque você não chega na justiça sem lei. Na verdade, a pessoa vai ser condenada, vai ficar pouco tempo, depois volta para a rua.

Essa sensação de impunidade passa para qualquer ser humano, para o repórter, o policial, o engenheiro. E aquele que tem a tendência de ter má conduta vai ter má conduta. E é aí que entra a corregedoria, exatamente na apuração e comprovação. Eu escutei do consul da Inglaterra que a polícia de São Paulo é uma das únicas do mundo que não é corporativista. Tanto é que se ouvir alguém da área e falar no nome do Coronel Rui, do Major Marcelino, eles vão dizer que nós somos monstros (risos). Nós somos a polícia da polícia. Se você procurar outros órgãos corregedores, os caras trabalham juntos.

Como os casos chegam até a corregedoria?

Pode ser por denúncia popular, um pedido do comandante ou a própria corregedoria em um ato correcional de rotina. Por exemplo, em toda ocorrência de intervenção policial que tem o evento morte, a corregedoria vai até o local para verificar se houve ou não houve a preservação do local, se houve excessos. Em Todas, sem exceção.

Vocês se deparam com muitas alterações de cenas do crime, sumiço de provas?

De uns quatro, cinco anos para cá não mais. Obviamente há fatos que não ocorreram. Então você vai para um lugar que tem um teatro de operação quando na verdade aquilo não ocorreu. Aí a própria perícia, que não é da Polícia Militar, é a polícia científica, que vai comprovar.

Para abrir a investigação na corregedoria depende de que a perícia aponte alguma irregularidade?

Isso. Quando os fatos geram dúvida. Porque alguns fatos não geram dúvidas. Nós temos um setor de perícia de acompanhamento. Mas a polícia oficial para fazer essa perícia é a perícia científica.

A sociedade ainda reclama muito da polícia. O senhor acredita que as punições estão na medida necessária ou ainda deixam a desejar?

Não. Se pegar o regulamento da Polícia Militar com o do funcionário público civil de São Paulo, com o do funcionário civil federal, vai ver que o nosso regulamento é infinitamente mais rígido do que as normas aplicadas aos civis. E aí você vai ver que a gente vai além do que a sociedade vai em matéria disciplinar. Se você verificar quantos policiais são demitidos, principalmente no evento morte, vai ver que tem um número razoável. Se você fizer a mesma pesquisa no Conselho de Medicina e ver quantos médicos são punidos no evento morte, vai ver que médico nenhum é punido nesse país. Para o policial militar, para a família do PM, a corregedoria é o predador, é muito rígida. Não é nada disso. É que se nós compararmos a nossa legislação com a legislação civil do Brasil, que é extremamente branda, nossa lei segue um parâmetro internacional de rigidez. Por isso esse número grande. Mas é que quando você pega um abuso, esse abuso é noticiado e aí parece que é regra. E não é.