Ciência brasileira avançou em quantidade; desafio é qualidade

Investimentos em recursos humanos, na criação de novos centros de pesquisa e a flexibilização das normas das agências financiadoras são os caminhos apontados para a excelência

Brasília – A produção científica do Brasil vai bem. Do ponto de vista quantitativo. O qualitativo ainda deixa muito a desejar, concluiu a sessão plenária sobre ciência básica e produção do conhecimento: um desafio para o Brasil, realizada na manhã desta quinta-feira (27). A atividade, parte da 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, considera ciência básica aquela dedicada a acompanhar ou antecipar o avanço do conhecimento, sem necessidade de aplicação em vista.

O professor titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Sérgio Danilo Junho Pena mostrou dados que comprovam o aumento da produção científica brasileira. De 2007 a 2008, cresceu 56% o número de artigos publicados em revistas especializadas de todo o mundo. Com isso, o país passou de 15º para 13º no ranking mundial.

No entanto, a qualidade dessa produção – medida pelo número de vezes que o artigo é citado em trabalhos de outros pesquisadores – ainda está aquém do potencial brasileiro. O país ocupa a 24ª posição no chamado ranking de impacto.

Pena elencou alguns fatores que explicam a defasagem. “A pesquisa brasileira está baseada na pós-graduação, em programas de mestrado e doutorado. O problema é o tempo rígido para pesquisar, escrever e defender a tese, comprometendo a criatividade e a inovação. Precisamos focar a nossa produção no suprimento das nossas necessidades, e não repetir estudos feitos em outros países”.

Outro fator é a postura inflexível das agências fomentadoras quanto a cronogramas. “A boa ciência é baseada em boas ideias. Para tê-las, é preciso ter muitas ideias e descartar as ruins. Saber quais são as boas depende de experimentação. E experimentação depende de recursos e de tempo.”

Carlos Henrique Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), reiterou os avanços da pesquisa no Brasil, ressaltando o prestígio que vem sendo conquistado nos últimos 15 anos. Prova disso são diversos estudos que ganharam a capa de diversas publicações especializadas internacionais, como Nature, Science, New Scientist, Cancer Research e Cells, entre outras.

Como Sérgio Pena, também da UFMG, Cruz destacou a necessidade de investimentos para elevar a qualidade. Para ele, antes de mais nada, é preciso triplicar ou mesmo quadruplicar o número de pesquisadores. “Quanto mais gente pensando, as chances de boas idéias são bem maiores”.

É animador o crescimento do número de doutores, que subiu de 5 mil em 1987 para 50 mil em 2008. A evolução, porém, precisa ser vista com cuidado. Segundo ele, entre 1995 e 2002, houve aumento de 14% ao ano. Só que, de 2003 a 2009, passou para 5%. “Isso preocupa porque vínhamos ganhando terreno, inclusive com relação aos Estados Unidos. Precisamos entender por que e como o freio de mão foi puxado.” Ele chamou atenção também para o fato de a maioria dos mestrandos e doutorandos não dominarem línguas estrangeiras, o que limita a participação em projetos internacionais.

Outra saída para dar um salto na qualidade é o apoio à ciência básica. Atualmente, conforme Cruz, a pesquisa aplicada – que visa a adquirir conhecimento já com uma aplicação específica em vista – é privilegiada pelas agências de fomento. Entretanto, a obtenção de mecanismos que permitam elevar a competitividade na empresa ou para encontrar a cura para doenças tem como alicerce a pesquisa básica, também chamada ciência fundamental.

Ele destacou ainda a necessidade de respaldo das instituições e universidades às quais os pesquisadores estão vinculados. Muito deles, em vez de pesquisar, usam o tempo precioso para atividades burocráticas, como prestação de contas às agências financiadoras ou mesmo buscar um colega estrangeiro no aeroporto.